sábado, 20 de fevereiro de 2010


Os Ecos Que Nós Somos

A acumular. Sempre a acumular ecos
E nunca nada é agora e quando o deixou de ser, só dentro.
Tantas vozes dos momentos a ecoar,
Tantos passos dados a ressoar dentro,
Tantos mortos ainda a dizer-nos que estão vivos,
Usando-nos para estar vivos, nas paredes que somos dentro,
Os ecos que somos e não são da nossa voz.
Não temos voz.
Ouvimos e já é eco dentro a cheirar a mofo,
Respondemos e usamos ecos que há tanto tempo que como se a nossa voz,
Mas não temos voz.
A acumular. Sempre cá dentro, todos, cada vez mais,
A tornar-se peso na cabeça, a pesar-nos no caminho,
Que julgamos nosso e afinal,
Só para passear ecos de caminhos que já passaram.
Se o caminho fosse nosso não tinhamos que o devolver no fim.
A acumular ecos enquanto atravessamos a ponte entre o nada e o nada,
Para nada os ecos. Queremos gritar,
Mas a voz não é nossa,
Só o desespero é nosso e temos que usar ecos para dizer que o temos,
Para que acreditem que o temos,
Para que nos ignorem, sabendo que nós na ponte.
Todos ao mesmo tempo,
Cada vez mais, cada vez menos silêncio.
Ninguém é página em branco,
Todos quartos vazios, cheios de ecos a fazer que somos,
Mesmo que sem voz, porque as paredes mudas.
A acumular, os ecos que tomam peso dentro,
Que se tornam uma voz dentro, além da nossa, que não temos,
Uma voz de inferno, onde todos a dizer que lhes dói,
A dizer que estão arrependidos,
Mas afinal só querem é deixar de ser de uma vez,
Só querem silêncio e que os ecos se dissipem,
Só querem atravessar a ponte e chegar como se nunca tivessem partido.
Abrir as paredes e deixar o universo regressar, levando os ecos.

20.02.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva

sábado, 13 de fevereiro de 2010


R.I.P. Joãozinho

Que interessa o que o mundo,
Quando o teu mundo só teu?
Cumpriste como só tu podias cumprir,
O que esperavam de ti era só o que eles esperavam.
Só porque um caminho menos escolhido, errado?
Putos idiotas, todos, porque tu da idade do tempo.
Quantas gerações se tornaram aborrecidas,
Enquanto tu ainda a festejar, bêbedo mas a festejar.
Putos parvos quando crescem e se tornam sérios,
Sérios amargos cheios de ressentimento porque o tempo os obrigou
A ser adultos sérios e responsáveis.
Sérios são os mortos quando não morrem a sorrir.
Amanhã não quero morrer que é festa,
Haverá a festa, mas tu já não estarás,
Porque a tua festa, que foi a vida, acabou.
Puto, diz-me ele, vós é que estais todos mortos.

13.02.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010


Carta Ao Filho Que Nunca

Escreves sobre a dor dos espinhos da rosa no coração,
A dor do coração quando não dizem que eu também.
Escreves sobre uma dor sem ausência do prazer,
Uma dor que só da ausência é filha,
Uma dor ignorante, ignorante do doce que nunca provarás.
Escreves com a inocência de quem pensa que é especial
Por escrever, por ser poeta e tão jovem,
Ignorante de que há tantos idiotas como tu,
Com as mesmas dores sem presença,
As mesmas esperanças sem futuro,
Com as mesmas palavras a tentar ilustrar o que vai dentro,
Dentro e que a ninguém interessa.
Escreves para ti e para as rosas,
Como se isso lhe tirasse os espinhos,
Como se ao escreveres tocasses a pele de alguém.
Só tu realmente sentes o que realmente querias dizer que sentias
E isso a ninguém interessa,
Nem às rosas a quem escreves.
Não te irás picar nos espinhos só com palavras.
Escreves e deixas o que realmente sabes fazer,
Que é viver e fabricar memórias para um dia teres saudades
Quando cabelos brancos e netos a pensar que és um velho,
Que nada sabe da vida. Nada sabes da vida.
Deixaste de ser o primeiro, o primeiro a entrar, a saborear,
Tremer com a novidade tão excitante que parecia que ias explodir.
Deixaste isso para ser o único idiota, entre tantos idiotas,
A escrever porcarias que nem a ti te interessarão no futuro.
Escreves sobre a dor. Nada sabes sobre a dor.
Escreves sobre lábios que nunca beijaste
E deixas secar a tua saliva naqueles que ainda te esperam.
Escreves sobre uma morte que nunca viste,
Nem a tua que nunca irás ver, nem a dos outros.
Nada sabes sobre a morte.

Agora escreves sobre as árvores que não há porque semáforos,
Semáforos em todo lado a controlar o passo apressado
Que nem te deixa respirar o ar pesado pelo fumo, tanto fumo.
Agora escreves sobre saudades, porque as saudades deixaram de ser os tios,
Que só em Agosto vinham do estrangeiro,
Escreves sobre saudades porque tens saudades de semana ou mais,
Dos teus pais que estão tão longe ali ao lado, da lareira porque nem é preciso,
Do caminho até à escola com o amigo de todos os dias,
Sempre e agora só ao fim-de-semana, quando ele também está,
Da gente que conhece o significado do teu nome,
Dos fracassos da vida que ficou e dos medos que hoje tão ridículos.
Agora escreves sobre o mesmo amor que não conheces.
Nada sabes sobre a saudade.
Escreves sobre a tristeza que sentes dentro
Por estares fechado nas paredes desconhecidas de um quarto pequeno
No meio de uma cidade que parece querer cair-te em cima,
Porque tu nada sabes sobre nada.
Escreves sobre a tua tristeza, que a ninguém interessa porque a deles chega.
Escreves o quanto sentes falta do fácil que era a vida.
Nada sabes sobre a vida.
Escreves ou tentas escrever algo novo,
Ignorando que tudo o que faças será uma colagem de retalhos,
Uma cópia à tua maneira, uma tentativa de criar algo real,
Quando o real já existe e não pode ser criado.
Tentas ser verdadeiro e profundo, mas só conheces a tua verdade e a tua profundidade,
Pelo menos a que conheces de ti,
E nem essa. Nada sabes sobre ti.
Escreves sobre os mundos que crias e deixas para o nada devorar,
Escreves sobre as vidas que vives e que não ficam na vida,
Escreves para acumular o sem sentido que te preenche
Em palavras que ninguém quererá ler, nem isso te interessa,
Apesar da ilusão que um dia, mas nunca um dia.
Nunca serás alguém.

08.02.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010




A Canção do Que Nos Leva




ao “alambique”




A gente que não quer sair do mesmo lugar,
Só para parecer que o tempo não passa,
Mas os cabelos brancos a lembrar-nos que sim,
Os avós a morrer a dizer que nós também,
Os pais a tornar-se avós porque o tempo a obrigar-nos,
A vida a ser encostada à parede até ao outro lado,
Aos poucos, mesmo que no mesmo lugar.
A gente que pensa que o tempo para passar
Precisa que o espaço mude,
Então ficamos, iludidos, sempre no mesmo lugar,
Diferente nem a cada dia, a cada momento.
Uma flor nova, uma árvore que morre e se corta
(Para sempre nas tarde debaixo da sua sombra),
Uma adolescente que agora mulher e os olhos que já a vêem
(Ainda no baloiço de sua casa, protegida do mundo, pequenina).
Uma casa que ainda ontem era nova e hoje vazia
(Com os emigrantes que nunca estão de verdade),
Outra que sempre velha e vazia e hoje com pequenas pessoas
Que ontem não existiam, mas que ontem?
Seremos sempre o de há momentos,
Sempre o acumular do que já passou,
Contra a nossa vontade.
Se tudo fosse para sempre quando tudo perfeito...
O tempo a desorganizar, a tornar o mau pior,
A sujar a inocência e a torná-la pecado,
Como se a culpa fosse nossa!
Os amigos de todos os dias, que se tornam de todas as semanas,
Se tornam de todos os anos... até que depois só recordações,
Longe no tempo, impossíveis no espaço,
Sempre presentes no que somos, sempre o de momentos.
Como retalhos de gente a gente,
Retalhos do que já não é nem nunca será.
A gente que não quer ir, que quer ficar,
Mas o tempo empurra, o tempo a empurrar,
Até as palavras, para o fim, para o início da eternidade...


01.02.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva


As Memórias Do Amanhã Longínquo


As memórias, os sonhos cumpridos que perduram no momento,
Sempre incompleto, sempre o único possível.
Deixo o roupão cair e continuo a caminhar em direcção à água,
Entro no lago do esquecimento e o roupão vazio de quem o usou.
Assim seja, assim será e eu sem deus, eu sem esperança no vazio.
Eu que me dispo tantas vezes contra os olhos
Que me olham com repulsa e como desnecessário,
Que insisto em mostrar a ferida ridícula,
Crónica que naturalmente se esconde,
Que se me calo morro e se falo sujo o nome da minha morte,
Eu que não sei onde quero chegar porque não sei de onde vim,
Não serei algo?

Afunila-se o horizonte, apesar de ser o mesmo,
Invisível aos olhos, tão grande nos que estão voltados para dentro.
Morreram-me todos e fiquei só no passado que trouxe escondido nos bolsos...
Rotos, enganos que no fim me dão o vazio.
Iludo-me com o meu tamanho
Enquanto me canso a olhar para cima, para os deuses que não existem,
Tão leves e vazios que o ar os eleva.

Entro em mais um café e é a mesma história que se esquece e nunca parece repetir-se.
Tomo as cores do que bebo e sou mais os outros que eu,
Encostando com uma avalanche de euforia o estúpido racional que me rói a vida dos dias
Aos confins da alma onde não chego.
Sento-me até me sentar em cima de mim, sem querer saber das aves de rapina
Que me querem comer os cadáveres sem futuro.

Deixo-me entrar como se tivesse escolha.
Deixo-me ir como se houvesse outro caminho.
Deixo o roupão e sou só os ossos pouco cobertos que me dão a ilusão de uma estrutura.
Viagem sem destino, pelo caminho que não passa,
Onde se acumulam os fantasmas das virgens belgas stripers,
Dos avôs amarelecidos pelo tempo,
Dos pais longínquos a tornarem-se nevados contra a nossa vontade
E as feridas das garras do tempo que nos empurram para lado nenhum.

06.11.2009

Savonlinna

João Bosco da Silva