quinta-feira, 23 de dezembro de 2010



Crepúsculo


Já que cheguei a esta hora

E a noite foi longa,

Gostava de ver o amanhecer

Azul.

O sono é inconveniente

E quando mais valem a pena

Os olhos, cansados,

Fecham-se e o dia

Nunca chegará

Ao que por ele

Tentou esperar.



Ville Sillanpää


Descontentamento Presente


Quantas vezes desejei acordar e estar aqui e agora sei

Que amanhã será uma desilusão ao acordar e ter à espera

A cor que já não se espera. Aquela noite perdida, longe

E tão cheia de possibilidades na sua impossibilidade real

Com tantos renascimentos de momentos, que afinal, bolorentos,

Cansados, mortos e tudo um mais uma vez suspirado a caminho

Da mesma casa, agora demasiado próxima.

É tudo tão belo quando longe. Os olhos são inimigos da proximidade

E o coração cansa-se dos espaços fechados.

Se ao menos se pudesse viver perto da vida, sem ter que sentir

Todas as suas imperfeições de coisa real.

As actrizes são sempre mais bonitas quando não se lhe sente o cheiro

E a sua vida é sempre uma ficção nos nossos olhos.

Porque é que o real sempre nos encosta contra a parede

Das nossas limitações e nos rasga quando passa?

Não há nada mais belo que um dia que passa sem me tocar,

Dos que não se levam, dos que não se querem de volta,

Dos que são mais vida, que acabam e só porque começaram,

Tinham que acabar.



22.12.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva



Fim


Agora que te observo de perto

E sinto o teu peso real na minhas mãos,

Sei que o esforço foi algo

Que só a ilusão podia motivar.

Agora que vejo realmente,

Com a clareza que a proximidade,

Mesmo que te afastes,

Revela, abro as minhas mãos,

Deixo-te cair onde já mora

A paixão.

Não deixo de sentir a estranha


Dor pela falta da tua presença

E um alívio incompleto.



Ville Sillanpää



Arrefecimento


Queria poder explicar-te,

Enquanto bebes e sorris

E te afastas de mim

Como as horas da vida,

Porque não te sinto

Mais próxima do teu coração.

Os meios beijos tornaram-se

Meio vazios e o frio

Um vulto que vira as costas

Sem se despedir com um olhar

Quente.


Será isto o fim de um quase

Amor, que só teve coragem

Quando o verão

Acabou?


Não sei se foi cansaço

Por mãos cheias de mim,

Agora a afastarem-me,

Só sei que chegou e

Nunca foi suficiente.



Ville Sillanpää

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010



Truly, Madly, Deeply


Sincerely, I don´t give a damn

If my friend gets it.

It will be revenge.

You had other people,

Fuck, how could you?

You will see how easy

It is. Just open your mind.

She will open it

As I write this miserable poem.


The wet stuff, everywhere,

But not me, not anymore,

Just the thought of revenge.

No reason, I was free,

She was free,

But no one knows.



How truly, madly, deeply

Can you get at 7 a.m.?

I wish you luck my friend.



B.



Vivemos No Tempo Dos Vampiros



adeus até sempre


Vivemos no tempo dos vampiros,

Sugam-nos, deixam-nos vazios e ainda nos cospem veneno

Na cara desprezada pela sua palidez de sentimentos.

Vivemos no tempo em que o cheiro a carne é que desperta

O calor, não no coração, onde o desejo é a realidade,

Afinal todos canibais, uns crentes em desígnios maiores,

Quando afinal, o que conta é chupar e ser chupado,

Deixar um vazio e ignorar o que nos habita.

De dia ninguém me vê os dentes, à noite todo sorrisos,

Inocentes, com promessas subliminares que o orgasmo apaga.

No fim só os dentes ficam, marcados no corpo vazio e cansado de nós,

Nós, todos, vampiros, convencidos da imortalidade da nossa juventude,

Ignorantes da dor que o nosso veneno arrasta pelos anos.

Estou vazio e cansado, não consigo aguentar menos uma gota de sangue,

Mais uma gota de veneno, já tenho os dentes que me queriam ver,

Agora deixem-me ser pálido e vazio, cheio de sonhos mortos,

De amores cicatrizados, de dores que só os olhos escondem,

Até que não conseguem mais e se fixam no vazio

De uma multidão numa noite, tantas que se repetem, convencidos

Que será diferente, mais uma vez, até ao fim da nossa eternidade.



20.12.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010



Improbabilidade de John Coltrane


Não sei quem me lembra, quase sem olhar naqueles olhos cansados,

A barba suja, já branca, mas suja, encurvado, batido pela vida,

Sem aspirações além de manter os seus objectos perto,

O seu lixo próximo a fazer com que ele mais um bocadinho.

Pede um cigarro a quem passa, mas ele fantasma para tantos,

Apesar de ser um homem alto e com muitos anos de peso,

Mais leve que os muitos que passam, sem dúvida que mais leve,

Com o seu olhar até ao fim, ou o início sempre, uma primeira vez,

Um brilho sujo nas ruas conhecidas e também sujas,

Onde à noite as predadoras de dentes húmidos e infectados

Fazem companhia às luzes amareladas da cidade cinzenta.

Não sei porquê, mas John Coltrane apesar do ruído invisível da noite,

Talvez pela heroína que tantos levam, ou desejam,

Ou não e apenas um certo improviso humano, caos harmonioso

Naquelas barbas sujas, que afinal me lembram Bukowski

E uma voz arrastada, também Ginsberg, ou mesmo um velho sentado,

Väinämöinen, mas o americano Walt Whitman, um cântico mudo a ele mesmo.

Ele tão mais, apesar de não ter nada além dele, ele vivo,

Quando tantos o atravessam durante o dia, enrugando o nariz,

Cheio do vazio de si mesmos, convencidos do seu tamanho fora,

Não valendo um saco cheio de lixo, nem a fome de gramas de heroína,

Mais alienados que os que se estendem como lagartos

Ao sol imaginário da cidade cinzenta onde Coltrane é improvável.



16.12.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010



Convite


Os amigos tiveram que se ir

E eu fiquei à conversa

Com o que restava da cerveja,

Só, sentado num canto.


Olá, que tal, que fazes,

Bebo a minha cerveja,

Queres vir até minha casa

Com a minha amiga,

Porque não, quando for

Para ir venham ter comigo.

OK.


Ela ruiva, uns vinte e cinco anos,

Melhor que uma cerveja no deserto,

Vestida de polícia, dos filmes porno

E a amiga loira enfermeira

Das que nunca vi em nenhum hospital

Com doentes reais.

Uma festa.


Acabei a cerveja, levantei-me

E dirigi-me à saída

Como um sonâmbulo,

Invisível, quase de olhos fechados.

Há noites em que me sinto

Com cem anos

E a vontade é só de sossego.



15.12.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva



Degelo


Não me pediste nada e eu

Deixei tudo, entreguei

O meu futuro visível

Até me fazeres

Desaparecer.

Devias saber que,

Enquanto o meu corpo

Sentir o frio

Da manhã branca,

Ainda há tempo

Para renascer na

Primavera.

O verde regressará e tu

Irás com a neve

Para longe das memórias

Felizes.



Ville Sillanpää

domingo, 12 de dezembro de 2010


Desespero
Sem amigos, sem sonhos, com tristes memórias dos dias doces
E quentes e música a piorar tudo, porque tudo igual, menos o que devia
E uma dor que não havia.
Nada interessa na madrugada dos dedos doentes, das lágrimas secas e inúteis,
Formigas negras que se arrancam dos olhos e nem primos, os antigos da infância.
Promete-se um poema comprido, longo, aborrecido para os olhos da maioria,
Um ser cansado após as horas da meia-noite, algo que não tem utilidade,
Neste mundo de engrenagens, nesta máquina infernal para o nada.
Nem uns dedos a humedecer no corpo de alguém que até interessa
Para fora, mas só o interior, condenados ao interior inacessível.
Quantos poetas sem razão de ser a estas horas,
Mortos e vivos em páginas e páginas... morreu Rimbaud?
Do que servem as experiências se não há eternidade?
Meu deus, que quase me peco com o desespero de encontrar algo fácil!


12.12.2010

Torre de Dona Chama

João Bosco da Silva

sábado, 11 de dezembro de 2010



Praia


Enterro a garrafa de vinho tinto na areia

À beira do lago e enquanto refresca,

Sento-me a aquecer e a olhar os barcos

Que passam.

Lanço-me à água, mergulho, sinto

Na pele o corpo líquido envolver-me,

Nado até me doerem os braços,

As pernas, as costas, até que o Sol

Se canse, até o meu corpo arrefecer.

Escurece, mas pouco, regresso à margem

E nem me lembro da garrafa de vinho.



Ville Sillanpää



Confissão a Sylvia Plath


A minha cadela uma leoa pequenina e eu ladro-lhe um pensamento.

O frigorífico dá-me um pacote de leite quase vazio

E eu já fumei dois maços de cigarros e sinto-me pesado

Com tanta cerveja e alcatrão.

Anti-depressivos, poesia e solidão mal conseguida,

É isto Sylvia?

Pego no António Lobo Antunes e ele diz-me que Camões

E sinceramente, hoje não estou para ler Faulkner,

Já me vim apesar de tudo e tenho o amor da minha vida bem longe

E frio do corpo onde me despejei.

A arquitecta italiana é tantas, que ainda não a reencontrei,

Mesmo sabendo que está em Barcelona

E tu Sylvia já morreste com a tua depressão.

A minha mata-me e escreve e eu inocente de tudo,

Sabes bem e se não sabes,

Os Sôbolos Rios Que Vão e a bola de ténis da estrangeira loira,

Que provavelmente inglesa.

Sei que bebeste vinho do Porto Sylvia

E tenho pena por nunca ter estado dentro de ti,

Apesar de muita gente (tu morta), dizer que não gosta.

Sabes, também há gente que não gosta de António Lobo Antunes,

E eu, só tenho pena dos que vão morrer assim.

O meu hálito é tabaco e nem sei se o meu ou de quem me morreu em nome.

Aquele gajo português de olhos castanhos, tentarão recordar,

Mas eu não Sylvia, eu nunca português.

O meu hálito a leite e a minha cadela uma leoa pequenina

E tu no caixote do lixo, apesar de morta, porque alguém não gostou,

Como se isso nos interessasse.

Se escrevemos é porque já nós não gostamos, ou de outra forma,

Ainda poderias estar aqui, ao meu lado, cheia de rugas

E com uma tristeza aguentada a caneta e papel.

O anjo da guarda que a minha mãe me deu, não será suficiente,

Porque me lêem e me dizem que se não me conhecessem,

Eu mais um no cemitério. Ainda não perceberam

Que eu ando para chegar a ti, desde que pensei, eu sou,

E isso faz pouco sentido.

Temos pena Sylvia, mais nós que os outros,

Mas eu vou tentar aguentar, mesmo sabendo que amanhã

Acordarei e serei menos eu mais um dia.

Sylvia, dorme bem e não te preocupes,

Um dia vou-te visitar.



10.12.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


Ode ao Negro

A Eicca Toppinen, Paavo Lötjönen e Perttu Kivilaakso

Os corvos que esperam que o gelo eterno água
E que a morte venha à superfície, sem pudor,
Sem medo de mostrar a sua cor a olhares tristes,
Desprezam a vida que lhe corre em baixo.
As árvores cansadas das ilusões primaveris
Desmaiam até ao esqueleto do mais pudico,
Tombam a saudade do doce por terra e estalam
Quando à noite na cabana se quer a solidão de uma fogueira.
Deixam-se as cordas pendentes, tudo o resto vibra no limiar
Azul do nascer de um dia curto, o momento azul
Leva a melatonina que ajuda a aguentar o cansaço existencial,
Tão pesado nas horas do fim do mundo.
Grasnam, tossem o ar menos frio, as lágrimas congelam,
O vento fustiga a pele pálida, os olhos profundos e gelados
Num corpo que arde e derrete ao toque de mais um pedaço fora,
Deslizam, atritos esquecidos, não se sentem a maioria dos apêndices,
Esquecem-se, sensação de menos gente, escondidos nos corvos,
Negros na alvura excessiva da vida.
Estalam os instrumentos silenciosos dos funerais e das fogueiras do verão,
Os vidros no chão esquecidos e inofensivos, génios perdidos,
A melancolia nas pálpebras a fazer sombra ao sorriso,
Um toque leve nos lábios e uma cama desconhecida no ranger dos passos
Incertos pela neve fora e nem um cão se pronuncia em certas horas.
A melodia dos corações partidos propaga-se na temperatura,
Lentamente, entranha-se, arranha e não deixa o sangue correr livremente,
Sufoca o desejo real e deixa o corpo agarrar-se ao que houver,
Mesmo que os corvos esperem, desinteressados das crias para o vazio,
Dos que choram arrependidos pela humilhação consentida
Aos que os esperam e respeitam, penas negras no ar azul e tão breve.
O olhar perde-se no infinito possível, mesmo que dentro a consciência
De que não se vai tão longe e já se ultrapassou tal distância,
Reminiscências do tempo dos passos lentos e sentidos a cada quilómetro.
Dilatam-se no interior os versos e a carne dói como se estivesse a ser queimada,
Os pés arrefecem, ou sentem-se frios e o coração esqueceu-se de acordar,
Só o sofrimento de um vazio, de um negro que se instalou, que chegou
Sem nunca se acreditar que mais uma vez, impossível regressar,
Sempre, até ao fim das vidas que estão e das que virão,
Um negro que canta nos quartos vazios, nas ruas desertas,
Nas florestas congeladas, nos lagos das ilusões, as sinfonias esquecidas,
As almas abandonadas pelos corpos desejosos de uma dor fria.
Venham os dentes dos sonhos e façam brotar dos pescoços
Incautos algo líquido, quente, real e sincero, que deixe um ponto certo
Na incerteza branca trazida pelo inverno negro e cavernoso,
Solte-se um grito arrepiante de quem ficou sem pinga de sangue
Ao sentir o negro súbito, penetrando como uma dor impossível
Que se estranha e só a carne acredita quando os corvos avançam.

09.12.2010

Torre de Dona Chama

João Bosco da Silva

terça-feira, 7 de dezembro de 2010



Amor


Um prego que oxida

Quando o calor descongela

O branco que aconchega,

As roupas esquecem-se,

Os olhos perdem-se,

A ferrugem cresce

E o brilho perde-se.

Vai-se o amor.



Ville Sillanpää

domingo, 5 de dezembro de 2010



Tocadora De Kantele



“blissful and delightful

as some guy

fucks his wife in the

bathroom.”

Charles Bukowski


Desde que me deixei debruçar sobre o abismo

Que sinto o conforto do solo demasiado pegado

Às epiteliais da minha alma desesperada por um sonho,

Um conforto que não deixa viver, mas mata.

Desde que deixei de sentir os ossos gelados

Pela surpresa do meu sangue frio e da vontade

De carnes variadas e desconhecidas até à ejaculação

Redentora e amnésica, o desejo súbito de acordar só,

Sinto-me a envelhecer sem cabelos brancos, só vergonha.

Deixei partir as três russas no táxi da noite fria,

Ainda com o sabor das três nos lábios que as pernas levam,

Na casa de banho ensopada de ondas e vibrações terríveis,

Deixei partir a faca com que rasgava a alma e as fibras

De um coração que por vezes se revela e tudo dói.

Deixei que o coração tomasse conta do cão perdido,

Numa noite sem sentido, sem razão de caminhar até casa,

Apesar de terem ficado grande parte e a vontade ao frio.

Porque será que todas as casas estão vazias quando se regressa?

Porque chegamos e só nos trazemos a nós,

Condenados a uma companhia que só nós conhecemos

Ou um cão que fareja e quase um reconhecimento nos olhos,

Ou uma porta que nunca levou óleo e nos recebe como sempre,

Parte de uma árvore que foi, secou como o que dentro

Aquecia, mesmo quando não havia combustível.

Cansado do desprezo pela própria vida deixa-se espalhar o esperma

Embriagado na tocadora de kantele, nas barras brancas e negras,

Do seu vestido logo acima das suas belas nádegas brancas,

Sem cuidado que a vida não vale a pena

Quando não se vê mais o abismo, a possibilidade da queda,

Quando se está de ossos partidos no chão,

Ossos que os nossos pais queriam duros e inflexíveis, impossíveis

A quem ama a dor de perder tudo por nada.

Desde que me deixei envenenar pelos sons do passado, tão perto,

Perdi a vontade a correr a abrir a porta e dizer bom dia ao dia,

Nada me surpreenderá, e cada poema que leio é algo antecipado,

Palavras que não chegaram a sair de mim, mas cá viveram sempre,

Uma consciência universal, um ler o que se sentiu, se viveu,

Ou se viverá se os pés levarem os lábios cansados de vulvas ingratas

Que nos pedem menos que um nome na hora da solidão e do frio,

Só a companhia apressada e o suor inesperado, destilado do frio

De outros ossos, mais flexíveis, demasiado flexíveis.

Desde que troquei um sonho por uma vida,
Deixei de me sentir o eterno bardo e a barba tem crescido,

As possibilidades tem passado ao lado e eu durmo no barco

Levado pela vontade da falta da minha vontade.

Desde que perdi o sentido ao nome que me toca,

Tenho buscado outros semelhantes, ou murmúrios de águas profundas

E carnes quentes de animais exóticos no calor da escuridão

Dos abismos que encolhem, até aos ossos pulverizados pela perda.

Quantas vidas, quantas vidas, quantos metros, quantos sonhos mortos

Na dissipação da energia cinética pelo solo que as raízes enojam.

A tocadora de kantele e a nossa música no sofá de uma sala amiga,

Com o sol a entrar pelas janelas enquanto as suas nádegas me apertam

A vertigem de mais um dia que entra, mais uma vida onde entro,

Marco e passo, como as unidades de tempo que se esquecem.



05.12.2010



João Bosco da Silva



Torre de Dona Chama


Silêncio

Há um silêncio ensurdecedor
E só se ouve o rio e os cães a ladrar.
Os amigos valem até os seus objectos ridículos
Serem mais importantes
E aí a infância dá o último suspiro
E a vida toda foi um erro de cálculo.

Podia ter sido, podia ter ido,
Mas fiquei e o nada veio,
Cheio dos seus vazios,
Dos seus truques sem mistério
E ficou.
Tudo o resto é neve, branca,
Sincera e fria e a vida continuará,
Para quem quiser acordar
E para quem não.

Ville Sillanpää

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010



Pedra


Quero ser como uma pedra num muro,

Daquelas que se tiram

E o muro fica na mesma,

Das que não fizeram qualquer diferença,

Mas estiveram lá.

O muro acabará por cair,

Mas não será pela falta de uma pedra inútil

E insignificante que se esforçou

Para o impossível.



Ville Sillanpää

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010



Poeta triste


Calças de pijama,

Camisola com capuz de basquetebol,

Uma chávena de chá de camomila,

Sem vontade ao uísque

(mais a um cigarro),

Uma lareira além das pantufas de avô

E o silêncio intermitente

Por um ponteiro dos segundos

Do relógio de pulso,

Enquanto o cinzento escurece,

Lá fora onde está frio

E isto é

A vida excitante de um poeta triste.



Ville Sillanpää



Suicida


Ainda sinto nos lábios os canos gelados da caçadeira,

A mão ainda treme,

A mesma que carregou nos dois gatilhos,

Ao mesmo tempo para não deixar dúvidas,

Para acabar com todas elas.

Ainda sinto o vazio

E só me falta uma vontade para dar tudo certo:

Carregar a arma e repetir o ritual.


Entretanto, acendo mais um cigarro

Para adiar.



Ville Sillanpää



Comboio



Os olhos saltam de imagem em imagem, fechados ou abertos, sem se mover o resto do corpo,


A um ritmo quase irregular, quase regular, uma harmonia desequilibrada


Numa mente decidida à indecisão crónica, sonha-se com Proust


E poemas impossíveis em rolos de papiro que se estendem


Pelo horizonte, num cansaço pela verticalidade das


Palavras, alguma publicidade e chega-se a uma cidade


Inventada pelos olhos fechados, os desejos perdidos


E as saudades, uma terra sem uvas, uma última


Esquecida ou ignorada e a mais doce, tantos


Muros de pedra, tanto musgo a enganar


E tribos urbanas à espera nas entradas


Para a perdição, todos os dias menos um,


Tanto por fazer até ao último, um cone


De gelado e fazem trinta graus negativos


Lá fora e eu sei e digo-o, lembro-me


De um número que os olhos abertos


Não viram, as imagens correm e se fossem


Palavras teriam que ser uma chuva,


Sempre horizontal, sempre uma queda


Até à perdição e o esquecimento,


Assim, uma linha que se estende


Até um ponto que desde aqui não


Se vê e pode estar tão perto,


Quedas de água congeladas


E um morto de peito aberto


À espera da frescura afiada


No coração de pedra, cães


Que correm e seguem e


Se cansam e se esquecem


E cá ficam os dentes se os olhos


Se fecharem, é triste não esquecer,


Mesmo quando o tempo corrói tudo,


Tenta lavar mas só cobre de pó


As feridas e o resto que se estende


À passagem e se cria a cada passo


Metálico do nosso espaço pelo tempo,


Ou já estará tudo dito e à espera de ser ouvido


De todas as formas possíveis e em lugar em cima em cima em cima deste,


Não sei e segue-se, árvores, árvores, de estações diferentes e eu no mesmo tempo,


No mesmo lugar, olhos fechados e bem abertos, sem parar, deitando a minha consciência


Cansada e derrotada, cansada das derrotas no vidro frio dos meus olhos


E imaginando se será possível a vida, a vida e quem acreditará nela


E a levará tão a sério, um alce esquecido, um rebanho pequeno


De ovelhas, uma prostituta cheia de frio e ainda nos lábios


O sabor do último, uma escola vazia e nem sei que dia é hoje,


Casas vermelhas de madeira, um castelo medieval,


A minha avó com as pernas no rio no verão,


O livro que nunca acabei de Malraux


Com páginas como um papiro


Desenrolado para os meus olhos


Dormirem, só descansam quando


Acordo e uns fechados ao meu lado


E algo parecido ao amor ou uma


Erecção sincera que é quase igual


E sem lágrimas, o sol nasce e põe-se,


Ninguém dá por isso, estou só,


Sempre estive só e nem sei


Quem me conduz pela escuridão


Numa hora única de


Duração variável, uma


Pausa para a eternidade.



30.11.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva