sábado, 13 de março de 2010


Miranda do Douro

Do alto de uma escarpa, a ser pequeno aos ombros do gigante,
A ver a água que passa, lá em baixo,
Entre a pedra serrada pelos milénios da vida: o Douro.
Entre um país e o outro, a mesma água, a que interessa,
Onde quase se reflectem as muralhas erguidas pelo medo de outros tempos,
Levados pela água que passa e sempre a mesma.
Mudam-se os tempos e a água corre a ser Douro, a cortar muros de pedra,
Que o homem aproveitou para chamar o país de cá e o país de lá.
Entre uma escarpa e a outra o que corre, o que é fluido e leva a vida,
Entre a aridez da pedra, com as rugas do tempo e o verde inesperado.
As aves no limiar do abismo a fazer a vida,
Para buscar a vida na vida que passa,
Entre dois terras, só porque o homem lhes deu nomes distintos,
Para depois ter que erguer outras muralhas,
Erguer outros medos, quando o do abismo basta,
Com a água lá no fundo a ser morte vista de cima.
E para onde vai? Onde se meteu?
Foi visitar vinhas, ondas verdes que escorrem pelos vales,
Até chegar ao dominó irregular e multicolor que entre pontes se equilibra há séculos,
Pontes das que tornam um lado parte do outro,
Porque nem tudo muros e medos a separar.
Vejo-o a passar, porque estou condenado a um lado,
Porque não posso fingir ser o tempo,
Desde a aridez da pedra, à terra de onde o vinho se espreme,
Às casas vizinhas da casa onde nasceu a ideia de um mundo global,
Como se a história da humanidade no correr das suas águas.
Os sinos da sede, até aqui, a lembrar-me que eu pequeno entre gigantes
Que não adoram nada, porque a água passa e é sempre a mesma.
As muralhas a envergonharem-me e eu a querer fingir ser uma ave que vive no limite,
Que atravessa fronteiras sem nome, sem papéis, sem medos, universal.
Do alto desta escarpa, a do meu lado, impossível ser o que corre entre,
Unindo o que os nomes separam,
Por que afinal, não há linha nenhuma entre a água que passa,
Sinto-me tão pequeno, aos ombros do gigante que vê a vida a passar,
Levada por um gigante maior que se estende pelo tempo, criando história,
Sem dar por isso, porque só o homem do lado da escarpa a ser pequeno.

13.03.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva