quinta-feira, 25 de março de 2010


Fazem Falta Lameiros

Fazem falta lameiros, frescos, verdes,
Dos que se inspiram pelas costas quando deitados,
Os becos escuros com o cheiro a mijo,
Onde o sol se esquece de visitar, na cidade,
Uma terra lavrada e o castanho no ar,
Antes do estrume nos cortes que o ferro lhe abriu,
Antes da ferrugem, do verde cobrir todo o trabalho do homem,
A chuva levar o cheiro a mijo dos becos escuros,
Os homens de verde levarem os preservativos esquecidos
Nas escadas antes dos olhos se abrirem, de manhã,
O musgo das fragas onde se dorme de olhos abertos dentro,
Com o peito a aquecer os olhos,
Antes do rio ter uma cor de mortos e meter nojo à pele,
Antes das ruas cinzentas de tantos passos sem sentido,
Sem serem sentidos em direcção a um nada,
Que mais tarde não dá lugar a arrependimentos,
Só o vidro do carro a abrir e um preservativo apressado
Nos bancos traseiros pela janela fora,
Dissolvido na escuridão, na água do rio que passa,
Em direcção a ruas com becos e cheiro a mijo,
Só porque fazem falta lameiros e o cheiro a cavalo suado,
Com o latex entre o indicador e o polegar,
Como um lenço dos de dizer adeus, e adeus mesmo a muitos impossíveis,
Antes do cheiro dos cafés a abrir o dia,
Quando para muitos se fecha até às quatro da tarde,
Com a pele cheia de cheiros a peles e a vícios,
Contra a escuridão de um beco,
Só porque fazem falta lameiros onde o peso dos corpos fica,
Até a erva se erguer de novo a dizer que ali ninguém nunca,
Nem a chuva que obriga a mão no vazio além do interior,
Com cemitérios a deixar luzes tristes e frágeis para lembrar a vida
Que se deve inspirar sempre que se pode,
Mesmo vazio num beco escuro, com o mijo a picar o nariz,
Como a água dos rios da cor dos mortos vinda de terras onde vacas e lameiros,
Carros parados até pelo menos um orgasmo, um indicador e um polegar,
Um abraço de prache e um beijo de rotina antes de se levar a casa,
Porque o coração não precisa de carnes quando há lameiros,
Só dentro o peso a quere
r sair, no beco escuro se ninguém a ver,
Quando o mundo todo da cidade a dormir, menos os homens verdes,
Que piscam, pirilampos a acordar os padeiros para o pão,
Mesmo que as searas longe do trigo que se vende irreconhecível,
O fumo de dois corpos, invisível a encher o espaço pequeno do interior do carro,
A espalhar-se pelo ar quando se tocam e um derrete para outro se perder dentro,
Para depois um indicador e um polegar a dizer que humanos,
Numas luvas amarelas a dizer “estes caralhos”,
E nem um lameiro onde se sintam vacas suadas com o sol a fazer brilhar o sal da pele,
Que se lambe em desespero para sair por momentos,
Do inevitável cemitério inadiável,
Quando basta um lameiro rasgado e um esquecimento mais sincero,
Longe de becos a cheirar a mijo e vida que não se faz,
Só se fode com um egoísmo de “se pudesse, só me vinha eu”,
Mesmo que os pirilampos digam que “estes caralhos”,
Sem ver o recibo a factura, aquilo uma factura perdida no escuro,
Tanto sol no lameiro, vazio de gente, verde, fresco,
A fazer lembrar pernas abertas com a mesma vontade do sol a brilhar.

25.03.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva