terça-feira, 30 de março de 2010


No Metro


inspirado no amarelo e cinzento


As portas abrem-se e atrás das minhas costas o desconhecido,
Vazio como a escuridão imensa da minha ignorância.
Passos de quem entra também, um toque de quem tem pressa,
Um empurrão de quem não me sente como verdade.
Procuro um lugar, sento-me e espero pelo movimento que dá início à viagem.
Espero, com o meu monólogo interior, passeio dentro,
Enquanto vejo o espaço lá fora, quase cores, a passar,
Quando na verdade sou eu que passo, o metro passa,
Eu que passo no metro.
Gente a falar com a gente se dois que se conhecem lado a lado,
Ou de pé se a viagem for breve, ou porque não havia lugar.
Uns que se beijam além, jovens que ainda acreditam no para sempre.
Outros que se beijam ali, sabendo que nesta cidade ninguém os conhece,
Fugindo da prisão dos seus dias em direcção a um hotel barato.
Aquele com a mão no bolso do outro, sem carteira,
Com uma surpresa à espera na hora de pagar o café.
Uma mulher com uma criança nos braços a ser mãe,
Enquanto ao seu lado um idoso se curva sobre si mesmo,
Com o peso da dor acumulada sobre as costas frágeis.
Este aqui a ler, a ser dentro o que o dentro de outro lançou para fora,
À sua maneira.
Eu nada. Olho, faço desenhos no ar com a cabeça, sem me aperceber,
Os olhos como se um nistagmo horizontal a tentar seguir as cores lá fora,
Que fogem sem ter percebido ao que dão a cor.
Eu nisto, a olhar, à espera até que o metro pare,
Até chegar à estação onde terei que sair.
Pára, levanto-me, abrem-se as portas, saio e chego ao Nada.

30.03.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva

Ao Pai

ao meu pai

Quando chove e nem uma gota na cabeça,
Levado pela mão com o casaco dele a cobrir menos os pés,
Apenas o cheiro da sua roupa nos olhos e uma escuridão segura,
Porque a mão a guiar-me os passos molhados.
Eu tão perto da sua cintura, um dia que serei maior, mas nunca tão grande.
Nunca terei umas mãos capazes de guiar no escuro de uma tempestade,
De abrir a terra e sempre com a timidez de uma carícia que só dentro,
Longe do granito áspero que as cobre.
Aquelas mãos e o cheiro do único deus real e possível debaixo do seu casaco,
Numa tarde de fim de verão, depois de deixar as armadilhas aos pássaros.

Queres vir comigo aos pássaros,
Porque ele quando pequeno gostava de ir aos pássaros.
Eu pequeno, eu um ele pequeno que nunca serei,
Cá dentro outro, que ele estranha, alguém novo na sua vida,
Eu que sempre o tive desde que abri a cor dos olhos.
Um dia com o filho
E eu a pensar que era por ele,
Porque ainda gostava de ir aos pássaros.
Subir montes, rasgar urzes, estevas, giestas, silvas,
Cruzar pinhais onde se adivinham cogumelos,
Levado pela mão criadora, que todos os nomes sabe.
A chuva a dizer que nunca mais e a tornar um só dia
Num dia maior.

Aquelas mãos que nunca lançaram comentários ao vento,
Nem críticas ao silêncio,
Incapazes de ferir por dentro.
Um muro de pedra a cercar um lameiro verde.

Pões isto na cabeça que ainda apanhas uma pneumonia,
Vindo de outro tempo, de outro mundo mais fatal,
Em que se ia aos pássaros, já que não havia muito mais para fazer,
Nem sobrava a carne na mesa.
Aquelas mãos forjadas na dureza,
Capazes de guiar uns pés pequenos, inseguros, no início de uma caminhada,
Que não se sabe se longa, até à escuridão inodora.
Pai é quando chove e nem uma gota na cabeça.

30.03.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva