quinta-feira, 15 de abril de 2010

Despedida do comboio a vapor - Via Larga, Porto, 1977.Foto: Comissão de Estudo para Instalação do Museu Ferroviário.

No Comboio

para Istambul,

Se entro no comboio em São Bento é porque não te conheço,
Apesar de só uma noite acabada na manhã da mesma estação.
Uma despedida como se a noite uma vida
E quantas vezes a noite uma vida, mais que uma vida.
Quantas noites não valem o resto dos dias?
Se entro no comboio para Guimarães
É porque te quero entrar com a força de uma curiosidade quase infantil,
Levado por uma vontade quase orgânica,
Mesmo que não te conheça, só o sabor dos teus lábios
Confundido com a cerveja que acabaste de engolir
E o roxo dos meus lábios de vinho da garrafa que se evaporou por Miragaia.
Se entro neste comboio é porque quero encurtar a distância,
Impossível, apesar de me ir confundir no teu corpo,
Apesar de te aspirar o fumo como um beijo do inferno,
Respirar os teus miasmas, desconhecidos, por isso entro no comboio.
Se te soubesse, não entraria neste comboio, que parte,
Não estaria sentado a criar futuros possíveis, dentro, inúteis.
Nunca me disseste que eras mais que tu. Se o tivesses dito,
Entraria no comboio, teria chegado a acompanhar-te até morrer a noite?
Passados impossíveis, ainda mais inúteis que os futuros possíveis,
Dentro de um comboio em direcção ao castelo desde a varanda de um andar alugado,
Com cerveja na mão e uma saia que se abre e se senta no colo,
A dar-se, sem se dar a conhecer, arrefecendo o calor que o sol deixou,
Com um de carne húmida que acolhe a curiosidade infantil de estar noutro,
Mesmo que nunca se possa conhecer verdadeiramente.

15.04.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva