domingo, 23 de maio de 2010


Adeus Vida Merecida

ao miúdo do sorriso,

A vida, a vida é só a desculpa para a morte,
Um mostrar à fome pão cada vez mais longe.
Deus nem morre, nem tem nada a ver com a morte,
Só quem nasce, só quem é, pode levar com a injustiça
De caminhar para o vazio, convencido que um dia, um dia,
Um dia nunca mais e todos os sonhos apagados,
Todas as conquistas ridículas, todas as tristezas inúteis,
Que seriam arrependimento se a escuridão o permitisse.
A vida uma ilusão consciente, uma ferida aberta na eternidade,
Um mergulho breve entre o nulo e o nada,
Onde um monte de matéria sente a outra por onde passa,
O tempo a escorrer lento, aparentemente tão lento.
Tão breve a eternidade que somos,
Entre um acordar e um adormecer inesperado.
A vida oferecida e roubada quando nos habituamos a ser,
Um brinquedo que nunca será nosso,
Nem emprestado, nem alugado, assim, um engano antes do sono,
Uma mão que nunca chega ao horizonte,
Um beijo que seca antes de se ter dado,
Um corpo que nunca sentimos de verdade,
Só o nosso a dizer que outros e nós ignorantes de outras vidas,
Nós que nem da nossa somos donos.
No cinzeiro os momentos persistem em filtros,
Filtros que já se esqueceram dos lábios sedentos de vida,
De sensações, de novidade, de gotas que secam sempre,
Antes de caírem, antes de se confundirem na terra que somos.
As cortinas vazias de presenças movem-se com a brisa quente
Que nos deixa a saudade dos que agora atravessados por raízes,
Trancados em órbitas vazias, de olhar no infinito até ao fim dos tempos,
Até que venha o fim de todos, o esquecimento inevitável,
Já que nem as estrelas brilharão para sempre.
Quantas lesmas viscosas, peçonhentas, a ocupar existência,
Com um lugar tão merecido que deixaram vazio,
Lá de onde vieram... mas a vida é para os filhos da puta,
A morte é para todos, para os que mereciam mais que uma vida,
Para aqueles a quem o deus não-vivo ignorou.
O mundo tão vazio a cada voz que se cala,
Cada vez mais vazio, naqueles corações que ficam a bater nas lágrimas
Que se engolem em silêncio, que se secam em murros no pinho,
Mão cheia de terra que o vento espalha antes de cair,
Antes do eco na escuridão eterna.
Deixai que me dispa num adeus gritado,
Deixai que deixe a roupa espalhada pelas vossas casas,
Na esperança que o meu cheiro mais um pouco,
Depois dos olhos fechados a minha presença mais uns momentos
E um sorriso: era ele, dentro, aqui mesmo, onde já nunca mais.

Tão insignificantes as lágrimas que os dedos choram.

23.05.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva