quarta-feira, 25 de agosto de 2010


Noites Do Fim


Há noites que são eternas e há noites que são irreais,
Que se colam à pele, que insistem em existir, contra a vontade do luar,
Mesmo que os barcos tenham sido engolidos pela tempestade
E o mar vazio, mesmo que o rio tenha morrido e esse morto parido um pântano
No momento em que lhe parava a água.
Há noites que marcam como uma tatuagem que não se queria
E fica, presente no nosso cérebro, nos olhos dos outros, cegos pela luz do tédio.
Há noites que deviam acabar com elas, que deviam deixar-nos dormir,
Que deviam apertar-nos a almofada para dentro dos sonhos e adormecê-los também.
Os olhos que parem, os olhos que também parem fechados imagens para dentro,
Resíduos, lixo, tudo lixo, sempre lixo e no fim o abismo a derradeira lixeira.
Se ao menos ainda se conseguisse ouvir a brisa quente que traz os aromas amarelados,
Hoje numa noite quase a mesma, quase os mesmos números,
Não fosse o peso do pó, do pó que se trouxe de longe, que se traz há muito tempo.
A chuva de Estocolmo não arrefeceu a fome das noites eternas,
O vento não levou a vontade da carne aberta, da doce carne nórdica,
Só as raposas raivosas que se agarram às pernas por um olhar vivem nas noites
Irreais no mundo onde se plantou o vaso, tão cheio de lixo, de terra e terras, de vidas e mortes,
De carnes que não ficaram, hoje só umas cicatrizes no tecido que não se regenera.
Bebe-se, bebe-se e anula-se o tédio com a aniquilação de qualquer sentido,
Qualquer fibra de vontade, qualquer desejo a dois passos e fica-se…
Fica-se numa noite irreal, que se cola à pele, sanguessuga negra a engordar com o sangue ébrio,
Onde os lobos morrem de fome, sem brilho nos olhos, sem uma lua que lhe mereça os uivos.
Os barcos afundam-se nas trevas, nas águas baixas e negras do rio que vai morrendo,
Os sonhos nem se vêem com tanto luar a afogar as estrelas.
Há noites que não valem a pena, que deviam ser passadas num autocarro
Que atravessa as montanhas, as casas em ruínas, as terras moribundas e as pontes esquecidas,
Em direcção ao dia de um mundo novo.

25.08.2010

Torre de Dona Chama

João Bosco da Silva