quinta-feira, 16 de setembro de 2010



“Encore… une fois”


a Zach Condon,


Não tenho fome de nada e isso vê-se no espírito farto de vazios,

Cansei-me de mastigar, da ânsia de querer entrar ou meter dentro no que os olhos me fazem querer,

Estou cansado da obrigatoriedade de ser no mundo uma entrada e uma saída para lado nenhum.

Hermann Hesse e Henry Miller já me escreveram as possíveis biografias,

Mais um Lúcifer caído no deserto, onde longe a flor de lótus,

Longe as prostitutas de Paris, as santas dinamarquesas, que um Desperto.

“Je t´aime”, nunca sincero, só nos olhos acesos de vontade,

Só nos lábios vermelhos de desejo, até que se sente a queda,

Se vêem as portas do Inferno onde deus dorme desde sempre,

Se sente a alma a ser maior que o corpo, se morre e só o corpo fica,

A latejar, como se uma dor que é vazio a tomar conta da casa de carne suada.

Uma vez e nunca foi, uma vez e depois já não serás tu,

Uma vez tantas vezes, até que o sorriso deixa de se sentir,

Até que os lábios só uma pele estranha e quente, até que dentro só alguém que não te diz nada,

Se a boca fechada, se os olhos apagados na escuridão de dedos selvagens e línguas desesperadas.

Os Domingos tornaram-se numa oração silenciosa além da hora do almoço,

Numa dor esperada, mesmo assim “un dernier verre (pour la route)” depois de o bar fechar,

Depois de já estarmos tão longe todos, num Nirvana ridículo sem paz de espírito,

Onde as almas esperam o julgamento do dia seguinte,

Do Domingo seguinte nas paredes sagradas dos lençóis húmidos se houver um nós que sobreviveu ao amanhecer.

“Je t´aime”, nunca sentido na pele, só nos ossos da ilusão, onde a luz da evidência

Não ilumina a consciência de que tudo um ridículo humano.

Quem nunca dormiu em Montparnasse ao lado da Simone, com uma pedra na mão a ser gente?

Fumar charutos ao lado de consciências apagadas, como se o fumo envolvesse o pouco que somos,

E lhe desse, ao menos, a ilusão de outra profundidade.

Somos tão pouco e o pouco que somos é tudo o que há. Mais uma vez…

Um sorriso da cor do Sol nas tardes do Inferno de Agosto neste país de brincar,

Um sorriso para a vida, como se ainda tivéssemos interesse nela,

Um sorriso para lhe dizer que sim, sim, sem vontade, para lhe dizer um “Je t´aime”,

Mas já sem catorze anos, num Nirvana ao lado do cemitério,

Um Nirvana com cheiro a vinho azedo, pão bolorento, óleos que fazem chorar as crianças,

Cera queimada, paredes com centenas de anos de tosses, espirros e outros cochichos,

Ao lado da pia da água colonizada por milhões de crentes.

Mas a vida sabe melhor, quando alguém nos canta ao ouvido o que faz valer a pena,

Nos sopram sem palavras a verdade de um momento: passa, passa, passa…

Quis regressar como o Gatsby, mas não interessa o enriquecimento que não se vê,

Não neste Inferno fechado por falência. “If I was young”, porque os sonhos já estão enterrados.

Vamos lá, pegar no acordeão, chamar as almas dos grandes que aqui ficaram,

Em papéis amarelecidos pelos dedos sujos do tempo,

Acordar com a trompeta os adormecidos na vida, mais umas garrafas de vinho, um pôr-do-sol,

Um ukulele para lhe dar tons pacíficos e textura a areia quente nos pés,

E caminhemos em direcção a mais um fim, que o resto foi há muito, muito tempo atrás.


16.09.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva