quarta-feira, 6 de outubro de 2010



Árvore Genealógica


Caminho fascinado pelas pedras que o esquecimento escondeu.

Passo-lhe os dedos no musgo húmido e cheiro-os como se fosse outra humidade,

Inspiro fundo uma ancestralidade mística e imagino romanos por estes lados,

Imagino assaltos, violações onde hoje preservativo usado pendurado numa giesta,

Imagino um movimento que hoje é apenas água que lava os anos,

Que me incomoda por estar sozinho, com uma companhia excessiva.

As árvores tentam contar-me histórias que as heras estrangulam,

Só as pedras me dizem que ali já foi gente, que hoje só por vezes,

A visita de uns faróis furtivos penetrando na escuridão para uma penetração

Rápida e de alívio quase, quase alívio, um beijo, um abraço forçado e o desejo de partir

Para outra era, deixar o caminho de terra e pedras espalhadas

Por um asfalto negro e tracejado, marcado com cruzes na hora da morte de alguém

Que era como quem é, mas deixou de ser.

Os líquenes dão a sensação que não há carros a dez metros, constantes,

Dizem que a união é possível e que atravessa séculos, cheiram a corpos suados, ou quase.

Chegaram tão longe, os romanos, até ao Bótnia e aqui, um mundo quase esquecido,

Um microcosmos onde se pode ler a história da humanidade,

O amor imortal que fica nas pedras do arco de uma ponte, hoje inútil,

A ponte como o amor. Como pode um corpo arrastar um império,

Um caminho que ninguém vê, dentro, já percorrido e outro que nem daqui se sabe?

Lembro-me das pinhas e do medo do Inverno de outros anos, de outras gentes,

Meus antepassados, miseráveis, menos tristes talvez, mais úteis as suas mãos

De granito, que hoje cheiro, longe do vento verde do Golfo de Bótnia,

Onde os romanos deixaram os seus vestígios e eu um dos vestígios prováveis,

Apesar do amor pelos castros e pelo gosto do pão de bolota.

Todos mortos, todos dentro de um desconhecido, uma voz confusa

De multidão, de cheiros húmidos que se misturam com a pele triste e amarela

Vazia de desejos, falange do corpo da humanidade até ele,

O único com tacto possível, nesta hora de fim dos tempos, que é sempre até um acabar.



06.10.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva




Força


Dei-me conta, lá do fundo de um negro mal-estar,

Além das vísceras gastas pelas engrenagens do tempo,

Da dor de cabeça de uma noite tão inútil e deprimente,

De um dia cinzento mal gasto em sonhos de traição contida,

Que se me calar de vez, se deixar de ser, simplesmente como antes de ter sido,

Não haverá ninguém que note o súbito silêncio,

Ninguém dirá no escuro o meu nome esperando uma resposta,

Ninguém terá notado que eu passei, quis tocar,

Mesmo que tenha tocado tanto o interior de alguns corpos

Que logo arrefecem do meu calor e eu morro.

Quando estiver frio, os corpos quentes não se darão conta

Da ausência e essa é a pior morte.

O cansaço chame-me para apagar os dias

Mas a força desta dor impede-me de escrever a carta suicida,

Quando os anos já vão além do esperado

Porque nunca esperei muito de mim, nem anos de mim,

Sentado nesta cadeira, de onde vejo que está tudo feito.

Epifania como uma ejaculação de bílis no fundo de uma garganta queimada

Por horas de cigarros de tédio.



06.10.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva