quinta-feira, 21 de outubro de 2010



Regurgitações


Sei que há jovens à espera do autocarro até ao fim do dia,

Cheios de si e de sonhos rebeldes e inocentes.

Sei que ainda há Sol e eu bebo-o desesperadamente

Porque sei que este é sempre o último dia.

Tenho a cor da morte na pele e só a luz a consegue esconder,

Só os gritos de adolescentes ansiando por uma boca ávida

Atrás do muro, uma mão emancipadora

Que lhe encontre a alma em chamas pelo futuro adentro,

Me dão a ilusão de outra cor.

Fecho os olhos e o meu sangue vermelho nas pálpebras,

Ainda, quente o dia e o verde persiste.

Sei de tractores além do monte, de cortiça,

Além do tempo que me separa da infância,

Aceleram, enterram os dentes metálicos e rasgam-me em tantos,

As cores por mim, um prisma.

Vem-me outro dia luminoso, apesar de cinzento,

À beira de um rio de outra vida,

Com adolescentes, uma mesma vontade para a vida,

Todos os caminhos abertos, hoje a tornar os pais em avós,

Os sonhos em cabelos brancos

E as traições em fugas à vida que sem querer se escolheu.

Lembro-me nesta cor, que nunca fui à Noruega

E isso dói-me como não ter deus, por minha culpa,

Das escolhas que me foram impostas,

Tive que ser e dentro de mim

Ainda há carroças com gente muito queimada pelo Sol,

Um frio de pobreza e paredes muito grossas de granito

Com cheiro a fumo de dez décadas.

Os cães ladram, mas estão no máximo em Tromsø

E eu sempre preferi Thor a Cristo, quando era da idade da mitologia.

Sintoma da Serra de Orelhão que recorta o horizonte

Como as Montanhas Místicas e afinal

Lá vive gente, com cães, com jovens que regressam,

Partem, todos os dias para nunca mais,

Enquanto houver Sol e eu rasgado pelo som do trabalho árduo

E o vermelho dos meus olhos fechados,

Que se abrem para o verde de uma louva-a-deus.

O Sol não se põe, é a minha alma que se extingue.



21.10.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva