domingo, 14 de novembro de 2010



Partida


Que dirias tu Bukowski, ao ver-me chorar quando ela parte?

Bebe uma cerveja e deixa que já choras, à noite,

Quando tiveres um tesão irracional por causa das ancas

Com quem te foste cruzando pelo dia fora.

Do que valem umas pupilas sempre dilatadas

Que penetram pela vontade da tua penetração,

Se no fim não existe um suspiro sincero que venha do peito?

Só a humidade entre as pernas murmura

E gritos exagerados de quem é pago com carne dentro.

O braço esquerdo dói e deviam ser lágrimas,

As que se engoliram, tantas em jorros quentes

Entre dentes brancos e mentirosos de sorrisos imaginários.

Abre-se a mão há tanto tempo fechada e afinal estava vazia.



12.10.2010


Londres


João Bosco da Silva



Retrete Em Gaiola De Ouro


Zombies sorridentes no Harrods atiram milho aos pombos,

Depenam-nos, pavões que podem exibir-se entre nós.

Labirinto de ar infectado por aromas estranhos e violentos,

Lábios vermelhos como que uma excitação armadilhada de dentes falsos

E no fim o que interessa é que a carteira tenha muito e saia vazia.

Não pertences aqui, dizem-me no fundo, como se o meu tamanho

Fosse um número que decresce mais que o desejado,

Um número que me permitisse a vida,

Quando ela é simples e de números incertos e pequenos.

Sabe melhor deixar os dejectos que são mais gente entre cheiros conspirativos

Que olhares ao lado da virilha.



11.10.2010


Londres


João Bosco da Silva



Earl´s Court


Ainda se ouvem os cavalos arrastando as carroças pelas ruas

Ou é só uma memória de há uns dias que se difunde,

O aroma do chá inglês às dez horas da noite num copo cheio de Young´s Gold,

Afinal quase vazio o dia, enquanto alguém debaixo de um cobertor com motivos escoceses,

Pede uns trocos por favor, tudo por favor, já ninguém faz nada sem favor aqui.

Psiquiatras ficaram com a sua religião segura, convencidos de que comer sobremesa

Os faz mais doces, dentro do esperado normal.

Bebo uma cerveja e chamo-lhe jantar enquanto os copos cintilam e faíscam

Entre amigos de olhos vermelhos e brilhantes.

Dava-lhe bem à franginhas, nesta noite quase solitária entre ingleses e pouco ingleses,

Como à escocesa de uma vida que estes esqueceram assim que me viram.

Pieces of eight compram tudo menos uma cerveja no inferno,

Nem castanheiros para lá ir dormir numa noite de chuva e vento.



09.11.2010


Londres


João Bosco da Silva



Passagem


Rosas amarelas, cabras loiras de andar apertado e dissimulado,

Cansadas da humidade presa e só os olhos saltam

Às braguilhas pesadas que os pés chocalham.

Cheira a leite azedo nas esquinas e há muitas,

Luzes que brilham dentro, apagadas almas, desmaiadas cores pelos passeios.

A gasolina não apaga a fome de sapatos a pisar, pisam éguas como cabras,

Vermelho o nariz do tinto, varrem e deixam ficar tudo.

Saudades serão nada quando tudo areia e esquecimento

Além da complexidade de todas velas que arderam.



09.11.2010


Londres


João Bosco da Silva



Porquê?


Aqui deve viver alguém muito grande, diria um eu que fui ao ver o Palácio de Buckingham,

E deve ter muito medo e ser ao mesmo tempo muito mau.

Deve ter muitos amigos para estar tanta gente à chuva a olhar para a sua casa grande,

Inocentemente, como os que não sabem bem o que esperam e afinal

Há burros de todas as nacionalidades a olhar para palácios enquanto a falange da lei

Em cima de um pobre cavalo que também não percebe bem, mas já se resignou há muito.

Expliquem aos eus que foram, para que servem as casas grandes,

Se há gente do tamanho das outras a viver em passadeiras subterrâneas

E a dormir em cartões molhados pelos peões distraídos de passos apressados.

Tantas janelas, e que grandes janelas, para mãos tão pequenas lavarem.

Será que é o gigante que faz os trabalhos lá de casa?

De onde terá vindo tal pessoa, das memórias de um conto qualquer antes de adormecer?



09.11.2010


Londres


João Bosco da Silva



Um Poema Para Levar


As pirâmides já não interessam porque os deuses morreram e a língua deles também.

Hoje se nevar é porque a felicidade existirá em flocos lentos e frios, brancos e puros.

Partem os barcos sem velas em busca de se encontrarem

Algures no deserto, mas as mãos cansadas e gretadas, pesadas dos calos do trabalho,

Caiem no colo resignado junto de uma lareira apagada.

Onde estive, por onde andei, o que fiz de mim?

Pergunta a lenha que crepita no fim de uma noite pagã.

Fui moda, fui grande, cheguei longe e agora aqui, isto e velho.

As luzes quase apagadas no meio da escuridão de uma noite solitária.

Só não há noites solitárias quando se está em alguém,

Se sente o ouvido de alguém sobre o peito

E o coração a contar-lhe o segredo de estarmos vivos.

Os deuses morreram, ficaram os monumentos que não interessam,

Só a gente e ignoram-se, passam e nem se deixam ser nos outros.

Anos e anos a viver na mesma rua sem se conhecer as linhas das mãos

E a morte já é certa ainda antes de os olhos nos chorarem pela primeira vez.



08.11.2010


Londres


João Bosco da Silva



Taylor Walker


Since 1730


Tudo me parece igual e sabe a fome

Às treze numa cidade desconhecida, tão conhecida.

A velhinha de cabelo invariavelmente branco deixa no marco vermelho

Um pouco de saudades e chove dentro da gente.

Aqui também são os melhores do Mundo.

Quem não o é? Quantos génios e não génios e gente que faz o mundo,

Atravessaram e atravessam a rua além deste vidro,

Quase eu, um restaurante numa esquina de uma rua qualquer,

Numa cidade igual a todas as outras.

A loira bebe o seu café de pé à espera do autocarro e olha-me azul,

Eu respondo-lhe com um verde melancólico.

Afinal nunca cá tinha estado e não sinto o sorriso que o ébrio leva.

Pede-se um copo já morto e a vida toda nele que se bebe

E a razão disto é cada golo fresco.

A vida é ter sede, mas o que fazer quando cada trago sabe ao mesmo?

Os muros são feitos de paciência e hoje morrerão tantos aqui.

Acende-se mentalmente um cigarro enquanto o prato não vem,

Para me distrair das línguas que tento adivinhar de que lugar,

De que gentes iguais neste canto do mundo onde eu estou sempre,

Mesmo que seja a primeira vez.

Que estaria Byron a fazer a esta hora num dia como os outros?

O chão é sempre sujo se os olhos caminham atrás de cada passo,

A gente é sempre feia se for vista de demasiado perto

E eu estarei condenado a este restaurante, a ver o Mundo sempre o mesmo,

Desta janela que me diz “Sunday Roasts Served Traditionally Every Sunday from 12-10”,

Tão baixo que quase não ouço quando passam umas calças pretas

Que me despertam a alma fálica.

São sempre as mesmas e entra-se sempre, é uma questão de distância

E a gente passa ao lado além deste vidro.

Eu sentado como um deus impotente, o único possível em todo lado.

Passaria por aqui Rimbaud, tão grande e jovem a iluminar

A escuridão das ruas do passado que ainda estão?

Apago as palavras que a rua espera mais um.



08.11.2010


Londres


João Bosco da Silva



Insustentável


Os segundos,

Os quilómetros,

As gentes,

As cidades

Acumulam-se no esqueleto simples de

Oliveira,

Castanheiro e

Videira.

O granito pesa e

O xisto já não deixa escrever.

O café não tem o sabor salgado

Do suor de quem o colheu,

O vinho não cheira a Setembro,

Não tão longe,

Não depois de tanto tempo

Em cima.

Quantas vezes mais

Terá que crescer o rio?

Secará a nascente

No próximo Verão?

É bom estar tão longe

Dos ossos,

Não se sente tão bem

A carne dura

Da alma verdadeira,

Que também morre.

Quanto mais?



08.11.2010.


Londres


João Bosco da Silva