domingo, 5 de dezembro de 2010



Tocadora De Kantele



“blissful and delightful

as some guy

fucks his wife in the

bathroom.”

Charles Bukowski


Desde que me deixei debruçar sobre o abismo

Que sinto o conforto do solo demasiado pegado

Às epiteliais da minha alma desesperada por um sonho,

Um conforto que não deixa viver, mas mata.

Desde que deixei de sentir os ossos gelados

Pela surpresa do meu sangue frio e da vontade

De carnes variadas e desconhecidas até à ejaculação

Redentora e amnésica, o desejo súbito de acordar só,

Sinto-me a envelhecer sem cabelos brancos, só vergonha.

Deixei partir as três russas no táxi da noite fria,

Ainda com o sabor das três nos lábios que as pernas levam,

Na casa de banho ensopada de ondas e vibrações terríveis,

Deixei partir a faca com que rasgava a alma e as fibras

De um coração que por vezes se revela e tudo dói.

Deixei que o coração tomasse conta do cão perdido,

Numa noite sem sentido, sem razão de caminhar até casa,

Apesar de terem ficado grande parte e a vontade ao frio.

Porque será que todas as casas estão vazias quando se regressa?

Porque chegamos e só nos trazemos a nós,

Condenados a uma companhia que só nós conhecemos

Ou um cão que fareja e quase um reconhecimento nos olhos,

Ou uma porta que nunca levou óleo e nos recebe como sempre,

Parte de uma árvore que foi, secou como o que dentro

Aquecia, mesmo quando não havia combustível.

Cansado do desprezo pela própria vida deixa-se espalhar o esperma

Embriagado na tocadora de kantele, nas barras brancas e negras,

Do seu vestido logo acima das suas belas nádegas brancas,

Sem cuidado que a vida não vale a pena

Quando não se vê mais o abismo, a possibilidade da queda,

Quando se está de ossos partidos no chão,

Ossos que os nossos pais queriam duros e inflexíveis, impossíveis

A quem ama a dor de perder tudo por nada.

Desde que me deixei envenenar pelos sons do passado, tão perto,

Perdi a vontade a correr a abrir a porta e dizer bom dia ao dia,

Nada me surpreenderá, e cada poema que leio é algo antecipado,

Palavras que não chegaram a sair de mim, mas cá viveram sempre,

Uma consciência universal, um ler o que se sentiu, se viveu,

Ou se viverá se os pés levarem os lábios cansados de vulvas ingratas

Que nos pedem menos que um nome na hora da solidão e do frio,

Só a companhia apressada e o suor inesperado, destilado do frio

De outros ossos, mais flexíveis, demasiado flexíveis.

Desde que troquei um sonho por uma vida,
Deixei de me sentir o eterno bardo e a barba tem crescido,

As possibilidades tem passado ao lado e eu durmo no barco

Levado pela vontade da falta da minha vontade.

Desde que perdi o sentido ao nome que me toca,

Tenho buscado outros semelhantes, ou murmúrios de águas profundas

E carnes quentes de animais exóticos no calor da escuridão

Dos abismos que encolhem, até aos ossos pulverizados pela perda.

Quantas vidas, quantas vidas, quantos metros, quantos sonhos mortos

Na dissipação da energia cinética pelo solo que as raízes enojam.

A tocadora de kantele e a nossa música no sofá de uma sala amiga,

Com o sol a entrar pelas janelas enquanto as suas nádegas me apertam

A vertigem de mais um dia que entra, mais uma vida onde entro,

Marco e passo, como as unidades de tempo que se esquecem.



05.12.2010



João Bosco da Silva



Torre de Dona Chama


Silêncio

Há um silêncio ensurdecedor
E só se ouve o rio e os cães a ladrar.
Os amigos valem até os seus objectos ridículos
Serem mais importantes
E aí a infância dá o último suspiro
E a vida toda foi um erro de cálculo.

Podia ter sido, podia ter ido,
Mas fiquei e o nada veio,
Cheio dos seus vazios,
Dos seus truques sem mistério
E ficou.
Tudo o resto é neve, branca,
Sincera e fria e a vida continuará,
Para quem quiser acordar
E para quem não.

Ville Sillanpää