sexta-feira, 29 de julho de 2011


Mensagem A Um Amigo



Meu amigo, és feliz? Quem te pôs esse peso todo em cima, foram os anos?

Já nem os teus dentes reconheço e não acredito que a tua incrível resistência

Te acompanhe agora nos teus passos apressados, empurrados pela responsabilidade

Que não se pediu, mas foi tudo o que nos ofereceram. Essa gente toda, essa nova

Família, conhece o cheiro quente das tardes no campo de futebol da escola?

Há muito tempo que ninguém me conhece e agora tenho tantos nomes e cada vez menos

Anos são meus. Mas meu amigo, se és feliz além do teu olhar apertado pelo peso do medo,

Da incerteza, é tudo o que preciso para te abraçar na distância, que nos ilude a vontade.



28.07.2011



Turku



João Bosco da Silva

terça-feira, 26 de julho de 2011


Dizem Que O Que Interessa É O Conteúdo


O primeiro Möet & Chandon no último segundo do ano, em Helsínquia, anos depois das aulas de francês

Onde aprendi o nome da marca e nunca mais a esqueci por me parecer impossível, não se compara

Às primeiras Snappy no bar do posto da Guarda Fiscal em S. Gregório, quando ia visitar o meu pai

Nos dias em que estava de plantão. A casa de banho cheirava a urina, mas lá fora a relva irregular

Fazia esquecer todo o futuro que viria a tornar-me em algo longe e o gás saía-me pelo nariz e eu

Pensava que aquilo era o tal “chorar de felicidade”, nunca estive tão perto tão certo, mesmo com

As mãos sujas com óleo dos matraquilhos quando ainda me era permitido fazer roleta com os bonecos,

Quando entrava nos carros ferrugentos e cheios de vespas, apreendidos por contrabando e tudo

Me parecia natural como os meus avôs estarem vivos e com algumas rugas, longe longe, atrás dos montes.

Queres um craque, perguntava o meu pai e hoje não sei se era uma barra de chocolate extinto com esse nome

Ou um queque, lembro-me que ambos me tornavam os olhos maiores do que aquelas ostras em Londres

Ou a mísera colher de caviar em São Petersburgo. Dizem que o que interessa é o conteúdo, não a garrafa,

Mas a mim sabe-me muito melhor a Coca-Cola das garrafas de vidro, se calhar porque me lembram

O meu pai, fardado, tão grande, aquele homem que eu queria ser quando fosse grande, mas não consegui.

Enquanto eu viver ele será eterno na minha limitada passagem e nunca um deus me perguntou: queres uma Snappy?



25.07.2011



Turku



João Bosco da Silva

segunda-feira, 25 de julho de 2011


Nos Anos Em Que O Cheiro A Pólvora Era Sinal De Felicidade


Houve anos em que o cheiro a pólvora era sinal de festa e felicidade, ou de época de caça

E cães mortos pelos cantos do bairro, gatos com as vidas todas levadas de uma vez,

O medo era pouco, de pequenas coisas, o mundo era de Mirandela a Bragança, era grande

E dois polícias mortos dentro de um carro (corruptos), na serra, era como um genocídio.

A vida não pedia álcool, não tinha sido infectada pelo horror, pelo tamanho do mundo,

Minúsculo, homúnculo de almas torturadas pelo demónio da humanidade, a própria humanidade,

Bastava uma cerveja para não se controlar a felicidade, bastava uma noite “hoje é festa, podes ficar até à meia-noite”,

Bastava o desejo de roubar um beijo para a noite valer a pena, com os lençóis aquecidos pelas

Noites quentes de Agosto e nada mais, amanhã é que vai ser, aquela, a outra, tão fácil a paixão,

Tão fácil o esquecimento, que aparentemente nunca se instalou e os castanheiros à espera da companhia

Anual, com os martinis a afogar a ressaca dos grandes, nos anos em que ressaca era uma palavra estranha

Que não se via, não se imaginava sentir, o mundo parece ter crescido, mas afinal foram só passos dados,

Passos perdidos em direcção a cada vez menos passos, ou em direcção à propriedade de um parente

E a ferida de umas partilhas injustas a tornar o chumbo em algo que corta a continuidade precocemente,

Antes o meu irmão que um filho da puta de um cabrão. Afinal não se trata de um peluche peludinho,

O mundo, é um monstro peludo que nos comerá a todos, não interessa onde, nem como, é inútil fugir,

Algo virá, uma bala louca, um cancro inesperado, ou a sede que afinal deu frutos e mais um como o avô,

E nunca se terá aprendido a escrever poesia, nenhum poema terá sido suficiente e todos juntos

Parecem ter o sentido da vida. Às vezes perguntam: é sobre o quê? Nada, é sobre nada,

Tem pequenos momentos, bons maus, perguntas, muitas perguntas, respostas que valem

Só para quem as encontrou, sejam as certas ou as erradas, tem o cheiro da terra e tem o cheiro

Que tem a terra quando não se pode cheirar, tem olhos para quem lhos empresta,

Tem mãos para quem arrisca fazer parte, é uma vida, às vezes a tua também, outras não, nada.

O que farão os filhos que nunca tive num mundo que encolhe à medida que lhe cresce nos olhos,

Tenho pena, tenho medo de mais uma vida nesta vida, tenho medo e não é o mesmo medo

Do tempo em que o cheiro a pólvora era sinal de felicidade, do tempo em que o sangue era

Resultado de uma tarde com a cabeça ao sol e as unhas cheias de terra, um punho amigo

A ensinar que a vida é às vezes fodida, o mesmo punho que te apresenta uma cerveja gelada,

Um aperto de mão quente e forte, eterno, crepitam os ossos, toda a gente sabe,

Como o som de cinquenta escudos dados pelo tio João pela arcade dentro, numa vida que hoje parece

Um sonho, o paraíso verdadeiro e a vida no fim de contas corre ao contrário do que nos ensinaram,

Daqui só para o inferno, o paraíso perdeu-se e a inocência ficou nos anos em que o cheiro a pólvora era sinal de felicidade.



25.07.2011



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 20 de julho de 2011


Sem Coisas Profundas Também Sai Poema (desnecessário)


Lembras-te daquela noite no Carnaval, um baile de finalistas, um de muitos, do sofá ao fundo,

Lembras-te dos meus dedos na tua pele, da minha língua bêbeda com quatro ou cinco cervejas,

Do meu amigo no sofá em frente, agora casado, com a mesma, mas agora mulher e o que terá

Corrido mal para a resignação ter sido tão precoce, ou bem para… não me fodam!

O meu mestre comeu-a, as adolescentes são demasiado fáceis e é injusto e a vida morre-se

E não passa de uma adolescente e é injusto. Serei o único a levar as noites ao limite do estômago,

Ou serei o único que não leva a sério isto que é a brincar antes da eternidade, têm-me faltado

Pontos de interrogação, mas não é por falta de dúvidas, é mais por orgulho, falta de humildade

Nos dedos cansados de humidade e tenho dito tantas vezes não, que tornam as vitórias dos heróis

Pequenos em cervejas quentes e apressadas, como uma masturbação de uma semana sem carne fresca.

Meus filhos, eu conheci Ginsberg e nem Kerouac me disse nada acerca do que estou a fazer,

Por isso continuo, porque não há mais nada que seguir em frente, siga, que o abismo lá espera,

Hajam ratas e adolescentes idiotas e mães esfomeadas por um pedaço de carne e um sorriso,

Um elogio que lhes ressuscite a beleza (a juventude é contagiosa mas não dura na realidade),

Haja ilusão e amor e outras ilusões que se sentem mais que a dor, paixões, ejaculações porque:

Ai que me venho e o resto que se lixe e o resto depois a possibilidade de um universo, de mais uma morte,

Tenho tido colegas a engravidar, tenho afilhados, tento adiar a sorte, bebo com pressa, não venha

Algo sem a minha vontade bater-me à porta e dizer: lembras-te do joelho de Rimbaud

E eu respondo, haja sangue como Kerouac, mas dentro, sem chumbo, que o velho Hemingway

Devia ter esperado pela morte, mas quis ser mais fraco, ou forte, ou não sei, porque

Os meus amigos insistem em levar a mal as minhas quase tentativas: e eu com isso? Venham antes,

Não se armem em corvos, mas não me faz falta, a sério que não, hajam tios e copos para encher de vazios.

Lembras-te? Quase foste uma paixão de adolescente, quase que vivias para o meu sempre possível,

Quase que te fazia musa de demasiados poemas (maus), sempre maus quando escritos com “amor”,

Ou o caralho que isso for, mas lembras-te? As tuas nádegas duras nas minhas mãos esqueléticas,

O meu tesão (sei como te domar agora cabrão), quase a rebentar-me nas calças e uma bebedeira

De pouco mais do que quatro ou cinco cervejas. Dava o dia todo de hoje, a meter vida em veias,

A recordar conquistas que muitos invejam, só porque pensam que é muito melhor do que o que é realmente,

A recusar o convite para uma orgia (pronto, a três) numa cabana em Perniö, só porque o cansaço

E também a falta de bolsos para mais memórias desse tipo, e haja cerveja e uma

Descendente sueca à minha espera no bar irlandês: isto não é poesia? Então? Matem o gajo que só tem um poema.

Fartinho de o ouvir, lembras-te, afinal és grande nos pequenos, eu não chego a existir

Nem nesses, nem noutros, sou e chega-me (não, não falta nenhum ponto final)



20.07.2011



Turku



João Bosco da Silva

terça-feira, 19 de julho de 2011

BATER PALMAS E SETE PALMOS DE TERRA NOS OLHOS




Apresentação dia 26 de Agosto pelas 21:30, na Galeria-Posto de Turismo de Torre de Dona Chama.

domingo, 10 de julho de 2011


Ensaio Sobre O Cansaço Ou Mais Um Poema Desnecessário


Às vezes é algo como cansaço, uma ausência viscosa que se sente dentro e só

A solidificação em palavras, só a regurgitação de um sentido, alivia a acidez do fascínio

Doloroso que é um segundo a menos a cada segundo que passa, por cima de tudo

E a época das cerejas já acabou e este ano não existiram cerejas, nem tardes em cima

De cerejeiras até o estômago doer, só a dor no estômago que se propaga como

Um magma, mas afinal só bebida a mais numa noite tão pouco noite, e sucos gástricos

Que são tão pouco, tão mais nossos que quaisquer palavras que nos possam sair dos dedos,

Porque são de todos e todos querem ser donos exclusivos, mas não há uma forma,

Nunca houve uma forma, só o fim é comum e a eternidade é demasiado grande para as mãos,

Sejam elas quais forem e até a hipocrisia dos padres se apaga na hora da morte, Ámen.

Um ponto final tem muitas vezes o tamanho do infinito até que Um cai e recomeça

A sinfonia monótona das sílabas, da tentativa de dar vida ao silêncio, dar uma razão aos olhos

Para se moverem, para moverem o interior e o levarem a lugares que sempre lá estiveram

À espera da sugestão dos outros, ou do tempo para correr no tempo, fecham-se os olhos

E vê-se o cansaço, mais que uma palavra, mais que gotas de metal quente, que pingam

Na carne que todos somos, sem almas além dos gritos enquanto se dorme e se sonha

Com aldeias pequenas e bruxas e antigas paixões que nunca chegaram a perder-se,

Simplesmente se deixaram passar, porque às vezes não se deve tentar preencher o vazio

De um desejo, porque vale mais que o tamanho insuflado da desilusão resignada de se ter cumprido.

O cansaço em forma de cristal, de fragilidade que não se suporta mais, só por ser

Demasiado fachada e no fim o que se quer é brutalidade, o sabor do sangue nos lábios,

Dois dedos dentro enquanto se dilata para mandar a moral às urtigas e a missa de Domingo

Para o inferno, porque o que interessa são as palavras nas mãos, não as mãos nas palavras

E nasce um sorriso triste, dos que reflectem o ridículo alheio abençoado pela cegueira

Dos espelhos mentirosos, tem que se acreditar no que se quer, tem que se morrer enganado

Para viver para sempre, tem que se tentar para no fim acabar debaixo de um cansaço

E de uma vitória com o mesmo peso da derrota, no fim só haverá cansaço e todas as palavras

Serão inúteis na eternidade, todas as palavras são pedaços impossíveis de infinito

E o infinito não é amigo da memória, nem dos muros dos caminhos em direcção

Aos soutos e até a bicicleta daquelas voltas foi comida pela ferrugem, apesar das cicatrizes

Persistirem numa dor esquecida, de tempos frescos, livres, antes da corrida começar a sério.



10.04.2011



Turku



João Bosco da Silva

quinta-feira, 7 de julho de 2011


A Caminho De



Naquele autocarro, em direcção à capital com dezasseis anos, o Sol escaldante do asfalto

E as horas mais compridas do que agora, com os amigos eternos, a equipa cheia de esperança,

Sem grandes ambições além de chegar e tentar o melhor, ver Portugal jogar

E regressar cheios de histórias e algumas fotografias na máquina fotográfica descartável

Para mostrar aos pais e aos colegas que passarão o fim-de-semana nas suas terras quentes e saudáveis.

Naquele autocarro com dezasseis anos tão grandes, as mãos cheias de vontade e de oportunidades,

As mãos vazias e prontas para agarrar a sorte que nunca chegou realmente a aparecer,

Foi-se andando, por essas estradas da vida, até ao momento longínquo destas saudades

Em forma de dedos que escrevinham algo que tenta ser um poema, que tenta ter algum interesse,

Que luta pela atenção dos olhos alheios como se disso dependesse a sua existência,

Com os olhos fascinados pela paisagem, que se altera a cada quilómetro, em direcção ao Sul,

O Portugal real e o resto, nós, não sei bem o quê, quase esquecidos no próprio reino esquecido,

Com O Grande Gatsby aberto, a tentar entrar e eu sem pressa, porque também eu regressarei um dia,

Até que esse dia chegou e eu regressei mais pobre, mais cansado, mais desconhecido para aqueles

Que me conhecem tão bem, não fossem eles partes daquele que digo ser, muito mais que o nome,

Eu com o F.Scott Fitzgerald nas mãos, enquanto uma miúda tagarela de catorze ou quinze anos

(Gostava bem de passar a viagem a beijá-la) me tenta tirar uma foto e eu sem perceber porquê,

Nunca percebi bem porquê, mas sorrio, sorri, escondi-me atrás da cortina do autocarro

E ela sentou-se no lugar ocupado por F. Scott Fitzgerald e quase sobre mim, roubou-me um pouco

Do pouco que era, ainda menos hoje e ter-me-ia levado todo se lhe tivesse provado os lábios

(Antes de aprenderes a atrair, aprende a afastar), mas eu com ilusões de palavras e escritores

E que ainda há tempo, até o tempo chegar, dez anos passarem e os poemas cada vez menos meus,

Cada vez mais longos e com menos significado, a fruta cresce mas torna-se seca e o sumo

Não depende do tamanho, deu-me a sede e o refrigerante patrocinador do torneio em todo lado,

Naquele autocarro em direcção ao Mosteiro dos Jerónimos, onde os meus pés virgens

Pisaram o túmulo de Pessoa e o meu ar sério ao lado de Camões com Vasco da Gama

Sem perceber que fazia eu ali, de fato treino verde, queimado do sol no nariz,

E eu agora sem perceber nada do que até agora e com a sensação que nem vale a pena

Tentar, porque cada segundo que se passa a tentar é tempo perdido numa derrota que se espera inevitável.



06.07.2011



Tampere – Turku (comboio)



João Bosco da Silva


Regurgitações II



Ter os olhos abertos num dia em que o Sol nem descansou, em que cada segundo é um orgasmo

Primordial e inocente entre as muralhas erguidas pelos deuses asgardianos mais reais do que os

Crucificados, porque nunca nasceram, nunca morreram e apesar de terem perdido a fé

Dos seus seguidores, não foram esquecidos. Se aqui for o céu dos católicos tornar-me-ei crente,

Se não (ainda estou vivo, apesar de tudo demasiado belo) continuarei ateu, mas contente e só terei

Pena por a morte me tirar todas as imagens que tentei tornar eternas dentro de um corpo insignificante

Que criou isto tudo em miniatura enquanto lia Trold num quarto pequeno na baixa do Porto,

Porque é impossível imaginar o tamanho real das montanhas mitológicas encerrado entre ruas escuras.

Aves cujos nomes desconheço cantam-me sinfonias que os olhos ouvem com imagens, ao longe

A neve eterna salpicada nas rochas forjadas nas lutas entre titãs, o meu coração também

E uma criança grita palavras que já não consigo traduzir, mas compreendo, lá no fundo

Onde me moram os sonhos, um jovem corvo, enviado por Loki, olha-me com uma profundidade

Negra e segue caminho lentamente, à esquerda Onsogssenter, lê-se na placa e quem sabe noutra vida,

Tromsø finalmente ao alcance real dos olhos e alguém me chama para jantar, baleia,

E o sabor faz-me lembrar os javalis do meu avô, enquanto o Sol ainda alto, luminoso

E maior acima das montanhas da minha segurança infantil. A vida vale a pena e até três

Pequenas ovelhas me parecem dizer mais verdades com o seu olhar curioso do que mil

Poemas escritos à beira de um abismo interior, na segurança de um regresso perdido à casa que nunca mais.



04.07.2011


Hatteng (Noruega)


João Bosco da Silva

sábado, 2 de julho de 2011


Conversa No Trabalho


Falam fascinados da sua casa nova, o armário que tem três prateleiras e a

Primeira é para escorrer a loiça, o sofá azul e a inesquecível visita à loja de móveis,

Com design sueco e fabricados na China ou em Portugal, onde nascem desejos de

Mais cadeiras (sempre vazias), mais almofadas (que serão só para estar e ocupar espaço),

As janelas, quantas são e a luz que deixam entrar, falam com uma excitação infantil,

Quase me assustam, mas fico na mesma (não me movo por dentro), a olhar para os seus

Gestos exagerados sobre quadrados, acenando que sim com a cabeça como quem ouve e

Compreende, mas não, não compreendo a excitação deles e eles nunca compreenderão

O meu fascínio por outras inutilidades eternas, que me pertencem, mesmo que não as

Possua, mas não hesitam em chamar-me de poeta ou maluco, quando lhes falo do

Aroma delicioso a verde quente das manhãs de Julho(antes de começarem os incêndios),

Ou quando gesticulo como quem pinta numa tela gigantesca com os dedos, apontando o

Crepúsculo pintado a cor-de-rosa, púrpura, cor de laranja e felicidade melancólica de mais um

Dia para mais um dia, ou quando conto como é aquela festa no Inverno com uma fogueira

Enorme e o ar cheio de ancestralidade e paganismo inocente, ou quando lhes explico

Tudo o que aconteceu antes do fumeiro na mesa e me olham chocados, com olhos enjoados

Enquanto os meus brilham com o sangue ainda quente, sem gota do sadismo que eles lêem.

Falam fascinados do seu mundo quadrado, mas eu não consigo vê-lo de outra forma que não

A dele e pergunto-me enquanto falam: anda a gente a trabalhar para encher a vida de vazios?



02.06.2011



Tampere



João Bosco da Silva

sexta-feira, 1 de julho de 2011


Senhora Professora Eu Confesso


Numa esplanada na companhia de uma checa, loira, de Bukowski no colo e o perfume

De há dois verões que passa à minha frente como um fantasma, com o Bukowski

Numa esplanada, invariavelmente o Bukowski no fim de mais um dos seus livros de poesia

(Crónicas curtas) e não há melhor arte que a verdade, melhor poema que uma confissão:

Lembro-me de ti, daquela noite sem esperança, na terra pequena cheia de sonhos demasiado

Possíveis quando te conheci, chovia e eu seco, chovia e tu não te calavas e eu já adivinhava

Que me ias espremer o leite, difícil depois de tanta cerveja, tanto whiskey e resignação

Ao Inverno inevitável, a primeira noite adiada e lembro-me da última em que mais do que

Entrar dentro de ti, perdi-me entre os aromas do nosso corpo, esqueci-me do sabor

Do meu suor e decorei a sinfonia da tua excitação quase em forma de chuva,

Outros bebiam as cervejas já quentes na sala, querendo acreditar que nós perdidos

Nos corredores quando eu perdido em números invertidos, a minha língua a manter o ritmo

Do teu clítoris e depois de muitas páginas não me conseguirei vir, mas cheguei e no dia seguinte

(Dali a umas horas) o baptizado da filha de um dos meus melhores amigos (dos que dão passos

Reais na vida) e à noite o beijo já sem sabor da adolescente, mas eu já incapaz de amores

E outras tretas, ainda com o sabor da tua excitação morena nos meus lábios, já no meu estado

Anormal (tido como normal por quem me conhece “realmente”), a tentar jogar dardos

Com um pescador, um polícia reformado e o pai da criança baptizada, fazer o que sei melhor,

Perder, mesmo entrando, mesmo espetando, ferindo e tendo deixado marca,

Tu sentada a querer mais, eu a sentir que tu a querer mais, mas eu tão pouco e tudo o que dou nunca suficiente, mesmo que todo.

Acredites ou não, pararam duas Lindqvist, irmãs com cabelo de cobre e olhos absorventes de pilas

Na boca e eu sei disso porque uma fez de mim Cristo no deserto a evitar milagres, iam jantar,

Ficaram de pé à espera de um convite e eu limitei-me a matar a conversa, lentamente, dando

Mais atenção à cerveja que a elas, até a sua fome se tornar mais dolorosa no estômago

Que nos outros vazios, até se irem e me deixarem acabar este poema tão desnecessário

Como tantos outros poemas, lidos e relidos, até à exaustão e a morte algo tão pequeno

Quando lá fora, um medo, uma possibilidade, como aquela noite em que te conheci

Senhora Professora e não penses que não me lembro de ti.



30.06.2011



Turku



João Bosco da Silva