quarta-feira, 30 de novembro de 2011


O Vaguear Do Fumo Imaginário



“Mas que vontade de ter pecado. De pecar. Como assim: de viver”


Luiz Pacheco



Agora quero um cigarro para este desconsolo, da vida quero tudo sabendo que mais perto

Do nada, tenho pena de cada segundo em que não peco, sinto-os como desperdício e no fundo

Tenho uma vontade visceral de me encontrar contigo num monte de terra, entre quatro paredes

Brancas, com o cheiro dos lagares lavados, das fogueiras que aquecem os alambiques e aguardente,

Mas nem tu reparas nas abelhas, no arbusto ao lado do portão que é cada vez menos verde

E torna-se ferrugem, como os ossos da gente, nem elas se dão conta da tua presença, morto,

Apesar de me ser impossível imaginar-te deitado, num caixão, de olhos fechados e apagados

E provavelmente, com a carne já a ser cada vez menos tu, tu, tu que dependes de nós agora,

Que não abelhas para te fazer existir, somos as testemunhas de que foste um dia, e no final

Todos abelhas ou o bagaço amontoado para estrume, depois de ter sido espremido até ao tutano.

Se soubesse que a vida isto, quando era dono de uma eternidade que não reconhecia,

Talvez por tomar como garantida, não faria nada, porque me seria impossível, talvez um cigarro

E no entanto estaria a fingir menos um segundo, porque todos foram meus, até me tornar

Uma ampulheta de grãos de tempo, que desconhece o volume e às vezes tem vontade de ser vazia,

Só por haver tanto para tão pouco, tão pouco para tanto, nesta puta desta existência,

Dependendo dos dias, dos anos, do lugar, do único destino possível que são todos

Pelas estradas quânticas, eu vou por aqui e serei o que tu és quando fores por aqui, nunca serás

Quando, ou és quando, quando nunca por aqui e tudo isto é o fumo de um cigarro imaginário,

Em cima de uma árvore estranha, num país estranho, com gente estranha que é gente,

Com outras fomes, outras sedes, outros destinos além da morte, o mesmo estômago,

As mesmas cores, até os cães ladram da mesma forma e algures os sinos daquela aldeia

No dia do teu funeral, tu morto, eu longe, longe de mim, longe de estar longe, só, aqui, a secar,

Enquanto me debato com o resto de uma moral resíduo, inútil e castradora, que torna a vida

Amarga, menos importante que a imagem que se dá na passagem e aos mortos tudo se perdoa,

Menos a própria morte, mas aí a culpa é de deus, como se ele fosse a limitada carne que somos.





30.11.2011



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 23 de novembro de 2011


A Sombra Do Carvalho Para A Insónia



Antes de adormecer visita-me aquele carvalho centenário, numa aldeia galega cujo nome só

O gigantesco carvalho, quase se tem saudades da vida que nunca se teve, surge a sede

Ao vinho naquela taberna de outros tempos, hoje só portas trancadas e dois velhinhos

Sentados num banco de pedra ao seu lado, aproveitando o Sol que resta,

À espera dos melhores dias, o dia tornou-se verde-escuro, as unhas ainda têm a terra

Da manhã fresca e as mulheres, de lenço na cabeça, ripam couves nas hortas pequenas

Para o jantar, ouvem-se os chocalhos de algumas ovelhas que ainda ruminam ao ar,

Adivinha-se leite e queijo fresco daquelas mãos gretadas, os filhos estão longe,

Devem vir no Natal, os netos estão tão grandes, mas são da cidade, não demora em gear

E a lareira é uma companhia obrigatória ou a humidade nos ossos à noite, um desassossego.

Tudo isto conta o carvalho centenário, que tudo viveu, tudo guardou, mas os seus anéis

Contam os anos desde aquele inocente beijo até este Natal que vem com a nova geração,

Guardam a história da foice na perna do vizinho que andava a fornicar a filha do outro

No palheiro, à hora da sesta no verão, a do irmão que matou outro por causa das partilhas,

Antes inseparáveis, história universal e não se consegue dormir, quando a vida que nunca

Se teve, nos vem com promessas impossíveis, agora que a vida parece já ir a meio

E se vive tão longe daquela aldeia galega, onde a sombra do gigantesco carvalho

É apenas uma memória, ou a insónia numa cabeça que não consegue esquecer

Os passos que dá, mesmo que tenham sido só de passagem, em direcção a onde se vai ser.

O carvalho apesar de só raízes hoje, continua a acrescentar anéis e o tamanho

Não se mede pelos anos que se vive, mas pelos momentos que se levam para o sono.



23.11.2011



Turku



João Bosco da Silva

domingo, 20 de novembro de 2011

Um Murmúrio


Pelos descampados vazios, só a nossa presença sobre a geada, não é necessário o Sol,

Que se acredita além do céu cinzento, que nos abraça como uma prostituta, sem calor,

A obrigação por uns dias quentes que nunca chegam, uma recordação em forma

De rasto de estrela cadente, na noite que nos espera no passos que ainda não demos.

Ambos sabemos que a vida é um acumular de fracassos e não passamos dos sobreviventes

De todos os sonhos naufragados, por isso lado a lado, comungamos da mesma esperança,

O calor do teu corpo, finalmente revelado nas minhas mãos pecadoras, o teu sabor

A gravar-se no instinto do olfacto, o hipocampo torna-te amor, ignorando palavras,

As mesmas que nos aproximaram todos estes anos de distância, longe de imaginar

Que o ondular do teu cabelo de cobre, neste mundo cinzento, fosse também felicidade,

E uma carícia também se sente com os olhos, como quando me sorris com toda a tua palidez,

Contra toda a amargura com que os anos te banharam, rasgas assim o frio de Novembro.

Mais ninguém, só a testemunha dos lábios, a promessa da saliva que persiste

Um brilho na tua pele, o sabor rosado dos teus segredos que derretem no limite

De um olhar sobre a eternidade num comum mortal, com fome de vida, sangue, carne,

Sem palavras, só os murmúrios da pele que nenhum verso consegue igualar.



20.11.2011



Turku



João Bosco Da Silva

quinta-feira, 17 de novembro de 2011


Oração Do Ateu



Não se pode tolerar a morte nas noites de insónia, não no espírito acordado que olha para

As mãos calejadas de recordações, cicatrizes antigas a que alguns chamaram sonhos,

Cheiros alheios como desejos e se pergunta, isto tudo afinal para quê, e ela sorri e beija-te

Levemente, provoca-te um suicídio que lhe prometes todas as manhãs e adias todas as noites

Até à manhã seguinte, deixa em ti a semente da perdição e vives apaixonado pelo medo,

Acreditas no amor que a crente te promete, tu que tão cedo abraçaste a certeza da eternidade

Um vazio. Os cães ladram lá fora às sombras dos teus passos quânticos, há quem diga o que

Acredita, fantasmas, a brisa fria toca as folhas com o receio dos virgens, alguém vem de longe

Ou saiu tarde, ou parte, dois faróis apenas, na janela do quarto onde mora a insónia e a morte,

Onde se contam os pedaços de momento e se faz de um colar de missangas o rosário dos ateus.



15.11.2011



Turku



João Bosco da Silva




Gente Linda



Gente linda, gente linda que nunca pisou a areia de uma praia, o mar só uma palavra

E muita água que se vê na televisão, as pernas muito brancas e o horizonte dos que queima

A pele com o pó que as mãos, belas mãos, levantam da terra, olhos cansados do esforço real,

Profundos até ao limite da condição humana, gente que mata a sede com vinho e sacode

A tristeza e o tédio do pouco tempo livre na vizinha, no vizinho, noutra pele de gente linda.

Belos os sonhos desta bela gente, mais uma cerveja que empurram em forma de amizade,

Esperam um bom dia, ou olá, o reconhecimento da sua presença em troca de um olhar,

Merecem todas as saudações aqueles olhos que esperam olhos, aquela vontade de companhia,

Porque a gente linda é tão só, quando faz frio e só as cartas a jogar os segundos à sorte

E mais um cálice de vinho do porto para quem ganhou, um belo cálice numas mãos perfeitas,

Ásperas do cimento, do diluente, dos maus tratos do trabalho mal pago, se a beleza bastasse,

Mas o mundo exige tudo desta bela gente, quase nem alma têm para levar à missa

E lá vai havendo um pouco para levar neste Domingo ou no outro, se o espelho quiser,

O espelho que limita a realidade dos próprios sonhos, desta bela gente, desta gente linda.




17.11.2011



Turku




João Bosco da Silva

quarta-feira, 16 de novembro de 2011




Cheiro Do Tempo



Um cheiro como a morada de um outro tempo, se forem ignorados os sentidos restantes,

A madeira que arde nas lareiras, o fumo misturado com o ar frio e a humidade que cede

Às temperaturas negativas, olhos fechados e é uma daquelas manhãs em direcção à escola,

Passando pela esquina onde vive a mulher que nunca sai à rua e pede a quem passa

Que lhe coloquem as cartas, que atira desde a varanda, no marco de correio, falta o cheiro a bolos,

Os olhos abrem-se porque faltou a pastelaria e estranha-se o tempo em que o corpo depende.

Tão próxima tu, quando alguém com olhos tão diferentes, te carrega a presença no ar

E ouvi escrever que é impossível amar alguém sem cheiro, pergunto-me que perfumes

Terá usado a minha mãe quando eu ainda tão longe, mais perto do paraíso, as chaves

De viagens breves, ilusões de papilas gustativas confundindo a inocência com palavras grandes.

A lavanda sempre me tornou as mãos mais pequenas e as inspirações menos contrariadas,

O incenso tem o sabor metálico dos sábados de manhã entre granito, orações e cantos desafinados,

Os pêlos queimados são quentes como o sangue dos porcos que fumega na geada,

E as mãos doem no ar frio de Dezembro, mesmo que seja Abril e um cigarro aceso

Demasiado próximo, o teu suor, impossível de encontrar além do teu corpo,

Por isso procura-se a essência do luar na esperança de mais um regresso a ti.

Bilhetes para sonhos acordados, de recordações manifestas e um momento além da superfície

Das roupas que os olhos abertos nos vestem, os cheiros, uma quebra no tempo

Que corre pela eternidade e depende dos sentidos para se fazer notar no espaço que altera.





16.11.2011




Turku




João Bosco da Silva




terça-feira, 15 de novembro de 2011


Contrabandista De Sonhos



Aquele café nos sonhos, fechado em mil novecentos e noventa e um, ano da morte

De muitos Morfeus, as portas escancaradas, o cheiro a violação, teias de aranha e merda

De gente, seca, as grades de seven-up, estranhamente conservadas, cheias, como só num sonho,

E o prazo de validade a torná-las inúteis, como os itinerários principais tornaram inúteis

Tantas estalagens e restaurantes, como este café de sonhos, à beira de uma estrada nacional

Onde cresce musgo nas paredes e só na vida vive a vida daquele lugar, nas recordações,

Apesar do lugar nunca antes visto, uma colagem, com um estranho sentido erótico,

Como se mais acima, fosse a loja da coleguinha loira da fila da frente na primeira classe,

Com o lápis roído que às escondidas também eu metia na boca e imaginava a sua língua

Na minha, os seus dentes nos meus lábios, o seu hálito de pequeno-almoço na minha fome,

Penso que se chamava Dárida e hoje em dia, sonho-a em forma de café abandonado,

Porque o pai a deixou, não me lembro por que razão e a mãe sofria de histeria e abandono,

Num canto húmido de uma aldeia em decadência do norte, junto à fronteira dos sonhos

Contrabandeados, hoje tudo da mesma massa do impossível, nos olhos fechados de quem

Queria ser guarda-fiscal, quando fosse grande, afinal mais um contrabandista de gabardine preta.





15.11.2011




Turku




João Bosco da Silva

segunda-feira, 14 de novembro de 2011


O Sabor Rosado Dos Teus Lábios



Não é possível esquecer o sabor rosado dos teus lábios quentes, aqui onde o inferno arrefece

E as portas fingem uma ferrugem impiedosa e sem consideração pelo esforço dos anos

A ser carne, papilas gustativas, pupilas que ardem no reflexo de uma noite de inverno com velas

E o cheiro do azeite queimado de outros tempos. Tudo o resto, restos que não valem a pena,

Além das tuas virilhas onde o futuro se aquece, além dos meus pêlos a fazer com que os teus

Joelhos com vontade um do outro, além do fogo-de-artifício que se sentiu à volta da vontade,

Até a vontade arrefecer e se escoar como o gesto de quem pendura o avental, deixa os

Fabricantes de antepassados cair num último refluxo sanitário e nem a noite foi possível

Se ao acordar, a cama vazia e o teu corpo ainda tão presente nos poros da solidão

Das estrelas nos descampados de verão. A erecção a tornar tudo o mesmo, nomes diferentes,

Mãos desconhecidas que a apertam, os teus lábios também outras palavras, murmúrios

Estrangeiros para o mesmo resultado, uma necessidade de gritar que mais uma vez

Te procurei nos lábios de alguém que não tu, beijos desperdiçados e nem tu os teus

Lábios, nunca mais, não os que com um sabor rosado, são impossíveis de apagar

Das memórias tatuadas com unhas e secreções de orgasmos. Não ligues se alguém te

Aconchegar nas mantas enquanto sonhas, volta a fechar os olhos, passa a mão pelo trigo

Maduro, a cor do teu cabelo ainda me prende, mas ignora, passo como tudo o que levo,

O sabor rosado dos teus lábios quentes, o aconchego suave do teu púbis depilado

Enquanto a noite se torna numa embriaguez em forma de sonho que se consome em chamas.



14.11.2011



Turku



João Bosco da Silva

quinta-feira, 10 de novembro de 2011


Todas Aquelas Noites



Todas aquelas noites, roubadas ao Inverno sombrio, trazidas na impossibilidade

De um bolso de recordações, para despejar em lareiras anónimas, e quase

Os teus olhos, quando os meus fechados e o oscilar das chamas, Verão dentro,

Em curvas isoladas de estradas desertas, com a tua mãe a acreditar que café,

Mas só natas, vamos ser sinceros, que só natas e promessas oferecidas

Sem terem sido esperadas, enquanto as luzes passam sem existirem, afogados

Ambos na escuridão eufórica dos corpos quentes, até que o tempo te diluiu

Naquela menina, lembras-te, aquela que foi antes de tu seres e que se deixou ficar

Para tu continuares, algures em ti vi uma ruína dessa inocência, mas segredavas

À almofada suada, que gostas que te fodam assim, cara contra a parede,

Num abraço anónimo, uma confusão de carne e lençóis num quarto pequeno,

De uma cidade temperada com peste miséria fome rios turvos e pontes desmaiadas,

Uma tontura em forma de orgasmo enquanto me obrigavas a manter os olhos

Castanhos, procurando não sei que verdade, entre os teus dentes cerrados

Por convulsões e não me peças outra verdade além do orgasmo, fui sincero

E nunca olhei para trás depois de teres fechado a porta, aqueci o silêncio

E comi a solidão reconfortante do corpo que arrefece de outro corpo.



10.11.2011



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 9 de novembro de 2011


Pseudo-Biografia




para o Armando Pinto,




Não sou quem escolhi ser, porque não escolhi ser espancado num dia de chuva

No regresso a casa depois da escola, por miúdos do sexto ano, quando eu na segunda classe

De uma escola nova, mas por isso mais tarde, escolhi não mijar na garrafa da menina

Mais pobre da escola, ainda mais pobre do que nós. Hoje podia gostar de Sol

E praia, ter cor na pele, mas parti para as montanhas aos sete anos, regressei

À minha terra, quando nunca tive mais nada a não ser os olhos e a pele e às vezes

Ouvidos, porque nem sempre ouvia o que me diziam para fazer ou não fazer

E tudo muitas vezes foi uma reacção a ordens, conselhos, se me tivessem dado

Mais silêncio, talvez hoje não procuraria o som mudo das palavras interiores,

Mas se tivesse ficado na praia, nunca teria conhecido o meu melhor amigo definitivo,

Que durou o que me sobrou da infância e o início da adolescência e apesar

De ele não gostar de ler, começamos a partilhar bandas desenhadas compradas

No quiosque da vila, desenhávamos os nossos heróis e nos montes, tardes inteiras,

Éramos esses heróis, em vez de arranha-céus, fragas enormes, que com o tempo encolheram

E hoje fazem parte dos meus ossos, não porque as escolhi para serem esqueleto.

Gosto mais de cães porque chorei demasiado por gatos, com gatos,

Quando a menina da rua de baixo da aldeia dos meus avós, raptou-lhes o gato cinzento,

É sozinha, dizia a minha avó, e ainda hoje me lembro da sua cara sem cor, sem expressão,

A olhar-nos, a mim e aos meus primos, atrás das saias da avó, com o nosso gato ao colo,

Todos depois desse faziam-me sangrar à menor tentativa de um carinho,

Todos os meus, mortos e um pedaço de terra revolvido e a ideia daquele pêlo todo

Imóvel a deixar-se consumir pelo tempo, depois vieram os cães, e nunca vi nenhum morto,

Apesar de no tempo da caça de anos depois de fazerem parte da família,

Alguém dizer que o encontrou morto e o meu pai mais uma vez a revolver a terra,

Hoje não tenho animais, mas o desejo de uma companhia sem palavras prevalece.

Prefiro as aldeias porque nunca fui tão feliz como numa aldeia, nem tão criança,

Nem tão verdadeiro, vê-se a origem de tudo e sempre soube que o leite

Vinha das vacas, vi o leite a ser ordenhado das vacas, bebi o leite fresco de um balde,

Aquecido num púcaro de latão na lareira da minha avó e nunca vi um preservativo usado

No passeio de uma aldeia, apesar das ruas todas serem um passeio,

Mas a cidade fez-me crescer, se crescer é perder a inocência, tornar-se mais duro,

Mais frio, mais preparado para a multidão de vozes insensíveis em que se tornou o mundo,

Mas não escolhi ir para a cidade, segui o que esperavam de mim, porque na verdade,

Eu nunca esperei nada de mim, a não ser tornar-me algo, que no fundo, me tornaram

E hoje sou apenas o acumular das escolhas que não fiz e dos fracassos que não consenti,

Mas alegram-me as recordações das pequenas coisas que hoje são eu, o pão caseiro

A escorrer de manteiga nas mãos do meu primo favorito, de manhã, antes de irmos todos

Juntos para a escola, o relógio da minha tia pendurado na lareira e aquela lareira sempre

Tão quente nas manhãs frias da serra, aquela casa tão quente hoje, nos Agostos

Onde me convenço que foi melhor assim, de outra forma, hoje seria outro qualquer.





09.11.2011





João Bosco da Silva





Turku



Knowing How to Wait for Emptiness




Wait, wait for the moment until I become someone else, then come in without saying a word.
Touch me without the permission of the eyes and force me to lose myself in the darkness of your doubt.
Never pursue a dream, wait until I’ve rinsed my face in the morning, let me have a sip of coffee
Strong, and let me forget the tedium of inspiration, the ridiculous gusts of wind over the candle of life.
Do not love me, I prefer your silence, your flesh to make me suffer, save me also

From your silence of impossible convictions, don’t be just another one, make yourself the last.

Do not tire of me, my fatigue is already too arduous to bear, let fall to the ground

All the moments that in aloneness did not plant a smile on you, wait, not yet, let the door conceal

An additional moment of illusion, do not worry, for these lips do not dry, and these hands are
Always ready for your body, for a few more words that heartily try to be
The scent of rain, the smoke of fire, your perfume on my skin each time I return
To solitude, a few words that try to be that feeling in the chest, which I’ve almost forgotten,
Before first kisses. Today I look for you inside, only to find the whispers of your

Excitement in the letters that try the rhythm of the hurried nights, in the company of a

Possibility that never came true, becoming only stars and frost and eyes that stop

Seeking, granite walls for hands that are now what we once were, empty.

11/04/2011



Turku



João Bosco da Silva, translated from portuguese by Sónia Oliveira


Fruta Favorita



A minha fruta favorita é sem dúvida dezanove anos, colhida directamente das macieiras,

Das cerejeiras, sem ter que esperar que no chão, sem necessitar de nada mais

A não ser mão ávidas e a naturalidade dos anos, fruta perfeitamente madura, suculenta,

Inocente no aspecto, ocultando uma doçura temperada de unhas e dentes,

Murmúrios de brisas quentes, enquanto escorre o sumo doce dos lábios,

Acariciando o pescoço, que a corda aos poucos aperta, ou cada vez mais próxima

A guilhotina e depois os frutos demasiado habituados aos dentes, atiram-se das árvores,

Sacrificam-se em sumo, sempre a adição de açúcar, a cor exagerada de dias a mais ao sol

Aborrece-me os olhos e custam-me as palavras, como os dentes, o volume engana

E os gomos secos de sumo, e nada pior que uma laranja seca quando a sede é fertilizadora,

Corta-se ao meio e afinal, seca, só casca, polpa e vazio, mas nunca se ouviu

Beber com os olhos, os dentes querem corpos fluídos, sorver o néctar que alivia

O vazio, não olhares afiados no chão e no aniquilamento do desejo. A minha fruta favorita

É rara, um ano numa vida toda, ainda com o orvalho dos sonhos inocentes nas folhas

Que o vento da vida amarelecerá, o tempo tombará e o verde será apenas uma recordação.



09.11.2011



Turku



João Bosco da Silva

segunda-feira, 7 de novembro de 2011


A Cidade Um Poema



Às oito da noite os autocarros seguem-se cheio de olhares vazios, olhares cansados

Por mais um dia, em casa provavelmente nada mais espera que uma televisão silenciosa,

Uma refeição apressada, um gato, um cão e o peso das palavras todas que ficaram por dizer,

O telefone espera que alguém seja além das paredes e o poeta caminha cheio de si,

Com vontade de trincar o frio e as árvores nuas, convencido que ele a plateia do mundo,

Um teatro triste que ele escreve como se disso dependesse o juízo final, a testemunha

Do vazio que é a vida, tão pouco com a responsabilidade de vencer a eternidade,

Sabendo-se que é uma tarefa impossível, e gasta-se o tempo em nadas, em olhares

Vazios, abatidos pelo tédio e pela repetição dos dias, que mentem e nunca são iguais,

Mas não se consegue ensinar a ninguém, como encontrar a beleza num espelho partido,

Acorda-se assim, com uma fome nos pés, tornando os passos num poema que se escreve

Dentro, procurando nos bolsos um pedaço de papel, uma caneta, mas só o isqueiro

E os cigarros, a resignação despreocupada de ver a cidade que se escoa como um poema,

No vazio das portas fechadas. As janelas que se acendem, o cheiro do alcatrão, dos pneus

Que seguem com as vidas que levam, às voltas, o poeta fora, à espera de uma cor, a ser

Ninguém para os olhares vazios, que não o inventam, mas não interessa não existir,

O verde empurra mais umas palavras e no sentido inverso, alguém com o Sol que não

Veio e o azul que não se quis mostrar, sorri, e sem palavras, sem papel, a cidade um poema.



07.11.2011



Turku



João Bosco da Silva

sábado, 5 de novembro de 2011


O Teu Segundo


Em frente ao hospital, ela à espera, fresquinha, com os pulmões ainda cheios de serra,
Aquele ar quente de Junho, com as cearas a dourar, rasgadas por caminhos de terra,
Ela tão farta do desejo que me cria, tantos anos a fermentar uma ilusão que se consumirá
Com a negligência de umas fodas bem dadas, um casamento falhado, tão jovem, a nossa vida.
Estranhamente, sinto a excitação do despertar espontâneo, já com o Sol bem alto,
Consequência da ilusão se ter tornado em pernas abertas nos bancos traseiros
Do seu carro, velhinho, pequeníssimo e os joelhos demasiado barulhentos com medo
Dos tractores que estão para acabar a hora da sesta, os seus lábios a dançar na sede
De carne dentro, és o meu segundo homem, empurrando-me contra o fracasso de nunca
O primeiro em nenhuma mulher, e cada uma prende-se às recordações como uma primeira,
Uma única, cada uma, com os seus medos em doses diferentes, os seus tons de pele,
O sabor dos seus mamilos, os hálitos, os perfumes que perseguem as noites em outras
Companhias, os seus nomes que se tornam em saudade e ela em frente ao hospital,
Com as suas calças brancas, apertadíssimas e eu a adivinhar aquela carne toda a receber
O meu esperma, até ao último espasmo, até se aproximar a hora do último autocarro
Em direcção à serra, à origem, às searas e um aviso, acho que me estou a apaixonar por ti,
Quando na verdade, prepara-te, quero-te só para mim, como se bastasse querer na vida,
Quando nem a vida se quis e é a única que ilusoriamente possuímos, até ao último autocarro.
O vinho do Porto insistia em tornar o quarto mais pequeno, os suspiros preencheram o quarto
Com o fumo dos cigarros que se fumavam entre um orgasmo e o próximo, os lençóis
A imitar a sua carne húmida e lembro-me de ti, naquela festa da aldeia, nós oito anos
E eu com corações nas capas da escola, só porque estivemos sós e não fizemos promessas
E só hoje, os corações fariam sentido, hoje, enquanto esperas em frente de um momento
Sem sentido, onde tudo acabará num último orgasmo, já no Outono, onde tudo começou,
As cearas restolho, a tarde noite, os corações a tua timidez que nem uma língua permitiu
Entre as pernas e até pode ser que eu tenha sido o segundo, mas hoje sou eu quem se lembra.


05.11.2011


João Bosco da Silva


Turku

sexta-feira, 4 de novembro de 2011


Saber Esperar Pelo Vazio



Espera, espera que o momento me faça outro, depois entra sem dizeres uma palavra,

Toca-me sem a autorização dos olhos e obriga-me a perder-me na escuridão das tuas dúvidas.

Nunca persigas um sonho, espera que lave a cara de manhã, deixa-me beber um café

Bem forte e esquecer o tédio das inspirações, sopros ridículos na vela da vida.

Não me ames, prefiro o teu silêncio, a tua carne a fazer-me sofrer, poupa-me também

Ao teu silêncio de certezas impossíveis, não sejas mais uma, faz de ti a última,

Não te canses de mim, o meu cansaço já é difícil de suportar, deixa cair os momentos

Que não te plantam sorrisos na solidão, espera, ainda não, deixa a porta ocultar

Mais um momento de ilusão, não te preocupes, os lábios não secam e as mãos estarão

Sempre prontas para o teu corpo, para mais umas palavras que tentam ser

O cheiro da chuva, o fumo de uma lareira, o teu perfume na minha pele quando regresso

À solidão, umas palavras que tentam ser aquela sensação no peito, que quase esqueci,

Antes dos primeiros beijos. Hoje procuro-te dentro, mas só encontro os murmúrios da tua

Excitação nas letras que tentam o ritmo das noites apressadas, na companhia de uma

Possibilidade que nunca chegou de verdade, ficou a ser estrelas e geada e olhos que deixam

De se procurar, muros de granito por mãos que hoje são o que fomos nós, vazio.



04.11.2011



Turku



João Bosco da Silva