quarta-feira, 9 de março de 2011



Poema de Embalar


Perceberás que nada do que sentes interessa porque nem o verão

Te acompanhará nesses dias vermelhos de noites púrpura

E tudo o resto serão imagens e palavras que deixaram de significar

O valor que tiveram.

Desiste e não queiras tornar sólido o que te corre pelo corpo

E mal te toca, com sorte os lábios ou a marca de uns dentes agora desconhecidos,

Um leve sabor metálico a cru com o suor de uma excitação aquecida

Pela madeira das noites frias de Novembro.

Tudo o que te pareceu ou parecer luz, irá consumir o combustível

E só tens que agradecer à escuridão por te ter permitido ver

E gravar esse aparente erro que nunca poderias ter feito de outra forma.

Nada apagará o passado, já que o passado nunca foi escrito

E é tinta nas tuas veias, é o teu corpo quente há um instante,

Os sonhos que trouxeste dos tempos em que tudo parecia simples

E era fascinante cada segundo mais de vida,

Livre das limitações dos objectivos e dos desejos que tomaste

Como prioridades, agora que és os anos que tens e não os olhos

Que abres para dentro quando há paredes e nada mais interessa

Além de ser e deixar correr livremente o líquido que não pertence a ninguém

E é um prazer sem orgasmos e ilusões.

Desiste e deixa-te viver sem pressas por comboios que já partiram,

Entra nas portas abertas sem medo de alguém lá dentro,

Estarás sempre só se tiveres medo e a morte que tanto temes

Não passa de uma solidão irreversível, uma única porta de sentido único

Para um quarto vazio e silencioso.

Deixa-te abraçar pela dor da ausência e sente o calor do que nunca morrerá em ti,

Sente-me nos teus seios que o tempo desiludirá e não te preocupes

Com a confusão do teu cabelo na luz dos meus dedos para sempre perdidos

No futuro impossível de eternidade.

Já deves ter percebido que a vida é uma paixão demasiado breve

Para se levar tão a sério, mas é o que tu és e não há nada mais importante

Neste universo que lê estas palavras, já que os lábios nunca serão suficientes

Para nós, nem uns ponteiros de relógio parados e esquecidos numa casa abandonada,

Nem um adeus nunca dito e mastigado na inevitabilidade da partida,

Na partida constante que é viver, porque nunca se chegará a lado nenhum

E só existe na realidade a partida.

Percebes agora que nunca chegaste a sentir e só ficou nos teus olhos,

Alguém que se afasta, de costas, em direcção a mais um vazio que nunca será completo,

Mesmo que os pratos cheios para uma fome invencível,

Mesmo que uma cama fechada de madeira de pinho depois de todas as dores abandonarem

O cozinheiro de sonhos.

Acredita que quando os rios se cansarem e as mãos secas e velhas se recusarem à esperança da tua pele,

O meu nome será apenas o que serei em poucos momentos de amargura,

Mas não tenhas medo, até eu fui vida

Em ti.



Turku



09.03.2011



João Bosco da Silva