quarta-feira, 23 de março de 2011



Três Mulheres À Espera No Hipocampo



“there is always a women


to save you from another”


Charles Bukowski


Sentada à espera, de pé com calças brancas à espera, outra à espera,

Com menos carne, mais anos, ruiva, em chamas, com fome,

Tão longe da possibilidade na impossibilidade do espaço que se pisou,

Infinitos autocarros, intermináveis comboios que nunca chegaram

E o mundo todo à espera de quem nunca chegará, vive longe

Do tempo quente do sol agradável da primavera, em frente ao hospital,

Dentro de osso e trancado com cabelos brancos debaixo de muito lixo.

No fim, só tudo o resto é que mudou de lugar e estranha-se

O mundo todo como se fosse sempre uma primeira vez

Ou a última há dois ou três tempos atrás, enquanto as vidas passam

E ninguém espera, ninguém pode esperar, fora da vida das vidas.

Sentada à espera bebendo o sol contra a estação de comboios,

A pensar em rios, beijos e muitos dedos, deitada no verde de alguém,

A ver a gente que passa e se apressa para táxis, metros, autocarros,

O comboio regressa à cidade onde submissa e doce nas camas todas da casa,

Não enquanto o sol e o rio forem dia, não enquanto espera na eternidade

De um momento nunca desfeito, apesar de faltar tudo menos a recordação.

De pé com calças brancas, espera, farta de desejos naquele corpo recheado

De vontades desconhecidas, com medo de oralidade sem palavras,

À espera de se apaixonar de novo por mais uma desilusão adiada,

Avisada, divorciada, continuando à espera, ansiosa pelas inúmeras

Ejaculações que secarão antes de chegar a casa dos seus pais.

Outra, mais anos, há anos atrás, regressando sempre, nunca a mesma,

À espera a primeira, como a primeira vez, vontade de anos,

Sonho morto com os olhos flamejantes e apartamentos desconhecidos,

Irá amar e odiar o entardecer suado e quente de quartos escuros

Com cheiro a vinho azedo, a fumo entranhado em cortinas ridículas,

Saliva e esperma que se engolirá quando o coração já não sentir nada

A não ser a noite lá fora, fria, cheia de solidão e de verdade.

Partirão no último comboio, no último autocarro, no último momento

E não sei o que levaram dentro, se a saudade for uma dor possível no futuro

Que ninguém adivinha, levam a semente da melancolia

E algum sal para as lágrimas que se negarão à luz do dia.

Três mulheres e mãos vazias, sempre, à espera no passado

Assassinado a golpes de carne, passos em direcção ao erro e ao teve que ser,

Até ao fim do tempo da memória persistente, que torna a procura do vazio

Numa quase história de amor entre dois meses e quatro pessoas

Que só se encontram em sonhos ou em poemas desnecessários,

Enquanto se espera a liberdade do esquecimento, da leveza pesada

Com o suave toque da imortalidade cavalgando o hipocampo.



Turku



23.03.2011



João Bosco da Silva