terça-feira, 5 de abril de 2011



Sem Sono Para Morrer


Enquanto a vida me traz mais uma história, mais uma que aparentemente

Não tem nada a ver com as que passaram e as que passarão,

Tento encontrar um momento nas palavras, que lentamente, escorregam do meu cansaço.

Sinto que o próximo passo me abandonará e me deixará ir de encontro

À terra, sempre fiel até à hora em que todas as histórias da vida

Se encontrarão numa eternidade cega e sem desilusões.

Alguém morreu há muito tempo e muitos outros agonizam debaixo do negro

Que despreza a primavera, mesmo que o verde arranhe a pele pálida

Das loiras de lábios rosados e mais quentes que a moralidade hipócrita

Dos lenços nas cabeças das avós e beijos nos anéis de dedos enrugados

E da cor da urina e das hóstias roubadas num Domingo de Páscoa.

Tento a vontade de uma cerveja, mas não consigo engolir a dor do cansaço,

Nem ir mais longe no quinto livro de Bukowski em pouco mais de dois meses

E por isso peço desculpa aos mortos que nunca me desprezaram ao mesmo tempo

Que me dá nojo ao pensar nos mortos que me morreram e nos que me mataram.

Os meus olhos não conseguem ser mais que tinta preta que torna palavras ilegíveis

Na sujidade de um poema, tentando limpar a vida, aliviar o peso de mais um capítulo,

Curto, mas com o tamanho de uma eternidade e a eternidade, seja qual for o seu tamanho,

É infinita, mesmo num grão de areia, nos lábios de um beijo, no brilho de um anel

Que sobreviveu cinquenta anos ou mais, como um reino.

Eu tento, eu tento, eu tento, mas os cabelos brancos assustam-me e são cada vez mais

E com isso, cada vez menos os anos, mais as portas engolidas pela parede do tempo,

Mas eu tento, nem que adormeça o meu coração antes de ter tempo de violar a morte

Com um excesso de vida descuidado, tento, mesmo sabendo que tudo regressará

Às raízes da vontade, enterradas no segredo do vazio.



05.04.2011



Turku



João Bosco da Silva