quinta-feira, 28 de abril de 2011


Turku, Esplanada do Fransmanni


Passam aviões uns atrás dos outros enquanto finjo ler pão com fiambre

Ou tosta mista, sei lá, passam tão perto que sinto a turbulência do seu perfume,

Tão iguais, talvez um nome diferente e a cada uma delas dou um, dois, três segundos,

Depois outro voo, um, dois, três e o som dos passos pouco sinceros cada vez mais longe.

Deixam nuvens de cabelos pelo ar, demasiado tudo, tudo excessivamente,

Uma aerodinâmica que dificilmente é lubrificação, um ilusão que fica na toalha

E raramente não duram uma almofada quente. Não há mistério,

Só vários modelos do mesmo, não há nada original ou só a loucura é original

A estas horas do fim do mundo à sombra de um estrela que morre lentamente como a eternidade.

Passa, uma daquelas moscas que não param em bares, não nos que eu finjo ser algo mais

Do que o que pouco que esperam de mim, ou sei lá, com umas calças quase vermelhas,

Não fossem os dias do cansaço que é o seu suicídio de décadas, passos quase seguros

Que outro planeta (certamente) e pára, vira-se para a esplanada onde estou,

Só de mim estou certo, e começa a esmurrar o ar como um pugilista esgotado,

O mundo, fantasmas que todos temos à nossa volta, mas só ele, tão cego, tão perdido, vê.

Acena a quem passa, aos autocarros tão cheios de vazios resignados, quase uma vénia

Quando umas adolescentes passam e perto do passeio dois dedos que entram numa humidade quente

De outros anos, quando o seu cheiro ainda era suportável e a sua presença permitida,

Ou sobravam uns trocos da bebida para umas putas ou para um investimento com futuro fracassado,

Volta a esbofetear a sociedade e eu sentado nela, escondido num parecido

A tornar-me mais negro, melhor ou pelo menos a tentar, se tentar é possível.

Há quem o veja e se faça notar, há (muitos) quem finge não ver, mas todos têm olhos

E faz sol e ele pára e numa posição de cadela a mijar, torna as calças mais escuras e

Deixa um pouco de si no passeio, onde todos os senhores do mundo, a carne da sociedade,

Caminham sem se darem conta da morte, da miséria, do vazio que é o futuro de todos.

Lá se vai, lá me desaparece da vista e eu dou-me conta que me prendeu a atenção

Durante alguns minutos com o seu teatro grotesco, a sua originalidade, o seu desprezo

Pelo mundo que passa como se fosse eterno. Entre milhares de passos e eu sentado,

Foram os que me soaram mais a gente e sei que um dia estará a vomitar sangue,

A ir-se para lado nenhum e sem visitas enquanto um médico escreve a ordem: não reanimar.



28.04.2011



Turku



João Bosco da Silva