sexta-feira, 3 de junho de 2011






O Amigo e o Meu Pai



para o senhor Fernandes e o amigo dele,



Já não se plantam amigos como aqueles dois, juntos no Natal, nos aniversários dos filhos,

Já não há quem partilhe o vinho, o vinho da colheita, já não há quem leve legumes frescos

Ainda com a terra a tornar-se pó na roupa, já não há quem guarde o javali para um dia

E o dia realmente chega, ou mata-se hoje um porco e a festa é em casa de um

E há sangue, merda, geada nas mãos, piadas que nunca se gastam e alegria que mesmo cansada

Dos anos, persiste, apesar de o cabelo abandonar as duas cabeças aos poucos,

De as rugas os visitarem todas as manhãs, de os filhos andarem por longe, nas suas guerras,

Tão diferentes da que eles lutaram pela mesma razão: pelo país, ou por causa do país.

Não há mão tão feliz no mundo como a que segura a pata do coelho bravo

Cozinhado pela mulher do amigo, não há copo mais refrescante que um dia de Agosto

A desmaiar aos poucos no dia do arraial da terra, tinto, pisado a quatro pés, sorrisos

E olhos verdes, com o futuro ali, a ser aquelas horas de patrulha, aqueles segredos que só

Eles sabem, enquanto rasgam a terra como foram ensinados nas suas aldeias frias de pedra

E esquecimento, recordando a cada semente atirada à terra a dureza e a crueldade

Da necessidade em tempos que aos de hoje, parecem filmes sobre a idade média,

Há uns cinquenta anos atrás. São tão família, como família pode ser, quase vinte anos de

Cumplicidade, açúcar do contrabando, fome a carne, ainda essa, com um brilho nos olhos

Quando uma loira passa, quando uma flor desabrocha, quando a terra se abre

E os filhos a casarem-se, os filhos a torna-los velhos, eles que sempre foram,

Sempre estiveram, eles que terão sempre o cheiro da terra na pele, como se amizade.

Impossível imaginar que eles um dia tão quietos como aquele perdido que encontraram no rio,

Inchado e o meu pai amarelo ao chegar a casa, mesmo quando andava sem beber,

Impossível eles como aquele que se esqueceu do capacete em casa e da cabeça numa valeta:

São eternos como o granito que lhes aborrece a enxada e não há manhã fria

Que lhe atravesse as ceroulas de algodão que as madrugadas lhes ensinaram,

Enquanto alguém tentava abrir o suor de alguém e roubar-lhe o sangue,

Com eles a tentar aquecer as mãos com a expiração em concha na boca,

Fechados num jipe de latas de sardinhas recicladas, enquanto alguém assina o nome

Por baixo, sem olhar as faces geladas daqueles dois amigos, que nunca esquecerão,

Porque não são de pó, são de granito, desde a pedra dos três reinos à pia templária do mosteiro esquecido.




03.06.2011




Turku




João Bosco da Silva