terça-feira, 21 de junho de 2011






Um Trasmontano Em Estocolmo




Estávamos nós a conhecer as praias brasileiras e estes de machados em punho a regressar

Do novo mundo,

E hoje sinto-me mais feio que nunca, um cão rafeiro rodeado por bonecas e bonecos de carne

E boa estrutura óssea, como se fossem um acidente feliz da engenharia genética, com a sua sociedade

Que mais parece um filme de ficção científica sobre um futuro optimista. Chove, chove muito

E até por dentro, a água corre por mim e quase me torno menos tosco a uma distância segura,

Se ao menos uma máquina de barbear ou menos cabelos brancos entre a cor da terra, outra postura

Que a de batido pela vida (cão com rabo entre as pernas), mesmo que ela me sorria tantas vezes.

Fui feito para viver num castro, dormir entre granito com musgo verde a crescer por fora,

Comer pão de bolota e armar emboscadas aos romanos que tornaram as distâncias tão curtas

E o mundo tão pequeno (e nós ajudamos), com as suas estradas, as suas pontes, as suas sandálias...

Estes vikings irritam-me, incomodam-me como o sol de Agosto às três da tarde contra a minha pele

Ironicamente pálida, sensível, revestindo uma alma de granito, raízes de Torga e geada das manhãs de Janeiro.

Apetece-me demolir estas casas de bonecas e nas ruínas acender uma fogueira que torne a noite

Numa eternidade pequena, das que trazem alma à gente de hoje. Inveja das três coroas,

Do império nórdico, eu que finalmente trouxe os meus olhos verdes além das montanhas,

Depois de antes de tanta glória e terramoto, tanto inimigo diferente, só as fogueiras permaneceram,

As antas com os ossos esquecidos dos meus prováveis antepassados, inveja da casa que nunca tive.



19.06.2011



Estocolmo



João Bosco da Silva




À Psiquiatra Loira



A psiquiatra, se não fosse dos que querem o mundo impossivelmente seguro,

Medicando loucos, loucos medicando loucos e a loira a desejar uma loucura

Com a minha cara selvagem a ser chuva quente e afiada na dela,

Até lhe arriscava os lábios, assim só os certeiros que nem todas merecem a paciência de um beijo.

Algo me diz que Alberto Caeiro era um doente de Alzheimer e esquecer tem uma

Certa tristeza bela e libertadora, uma novidade que a memória tantas vezes insiste

Em chamar “outra vez”, como se a vida não fosse momentos, mas um momento

Aborrecidamente longo e repetitivo, com déjà vu atrás de déjà vu

(Tão curto quando o fim nos aperta com o que nos resta para existir contra a eternidade).

Espero nunca cair no ridículo de perguntar a quem me estiver a morrer (um dia talvez alguém):

Ainda me amas – que interessa saber se luz, quando o interruptor já vai longe a abrir

O circuito para a escuridão. Desculpa-me, desculpa-me por te perdoar, porque eu nunca

Me perdoarei as vezes em que disse não, que engoli a felicidade como se algo prescrito por uma

Psiquiatra loira, com perguntas às quais ela sabe a resposta, só para meter conversa

Dentro da “sanidade” permitida e esperada de um louco que medica loucos e só a morte é justa

Porque tem um mesmo saco para todos: o último fim é sempre o início da eternidade.



21.06.2011



Turku



João Bosco da Silva