quarta-feira, 22 de junho de 2011


Adeus Mais Uma Vez


“Dirigi-me à casota do cão e encontrei o velho Bob a tremer e a arfar no ar cortante. Ganiu contente por me ver.” Jack Kerouac


É muito mais fácil o regresso, com um cansaço agarrado à pele da alma,

Com a pele abusada e abusivamente pesada, de outras cores, diferente da partida,

Quando ao aproximar do portão, um focinho peludo e conhecido, com reconhecimento

Nos olhos infinitos, gritantes de um ser mudo de palavras, um simples cão, que te conhece,

Mas não sabe o teu nome, é muito mais fácil o regresso e dá tempo à mãe de enxugar as mãos

Da água de lavar a loiça, dá tempo do Sol se lembrar de afastar uma nuvem, dá tempo ao pai

De deixar a enxada, levantar um pouco o boné e gritar “ou”, é muito mais fácil lavar o cansaço

Quando uma língua te refresca as mãos, como se um abraço mais sincero.

Agora não sei como será, agora que a casa me parece cada vez mais longe,

Que a gente me parece mais repugnante, a minha gente e até o meu sangue me mete nojo,

Só de pensar num possível parentesco com monstros ignorantes, com a consciência do

Tamanho de uma bolota que nem merece os dentes de um porco faminto.

Não será fácil, agora que os pessegueiros são só um e o negrilho secou e a sombra

É cada vez mais escassa e o sol mais violento contra a pele cansada, abusada e abusivamente pesada,

O nascente secou e o Inverno é cada vez menos inverno, menos branco, agora, mais frio, mais afiado,

Com um fumo doentio, longe daquele de outros anos, que iluminava as ruas como um cobertor

Familiar, quente e aconchegante. Os vizinhos deixaram de ser bonsdiasnosdêdeus,

Os olhos cansados de culpa, que culpa (não sei), os passos cheios de medo do sino da igreja

E da sua vez e cada vez menos os que se lembram do teu nome, cada vez menos dos que

Sabem o teu nome a reconhecerem-te nos teus actos, agora que é tão mais difícil regressar a casa,

Agora que casa não é casa, mas umas paredes onde cresceste, onde poucas vezes foste infeliz,

Onde ainda vivem as tuas raízes, tão distantes dos frutos tristes que te pingam dos dedos,

Os mesmos que um dia passaram pelo pêlo do teu cão, verdes do musgo, rasgados das fragas,

Fugindo de tempestades inofensivas, entrando em virgindades recuperadas, longe, longe…



22.06.2011



Turku



João Bosco da Silva