quinta-feira, 7 de julho de 2011


A Caminho De



Naquele autocarro, em direcção à capital com dezasseis anos, o Sol escaldante do asfalto

E as horas mais compridas do que agora, com os amigos eternos, a equipa cheia de esperança,

Sem grandes ambições além de chegar e tentar o melhor, ver Portugal jogar

E regressar cheios de histórias e algumas fotografias na máquina fotográfica descartável

Para mostrar aos pais e aos colegas que passarão o fim-de-semana nas suas terras quentes e saudáveis.

Naquele autocarro com dezasseis anos tão grandes, as mãos cheias de vontade e de oportunidades,

As mãos vazias e prontas para agarrar a sorte que nunca chegou realmente a aparecer,

Foi-se andando, por essas estradas da vida, até ao momento longínquo destas saudades

Em forma de dedos que escrevinham algo que tenta ser um poema, que tenta ter algum interesse,

Que luta pela atenção dos olhos alheios como se disso dependesse a sua existência,

Com os olhos fascinados pela paisagem, que se altera a cada quilómetro, em direcção ao Sul,

O Portugal real e o resto, nós, não sei bem o quê, quase esquecidos no próprio reino esquecido,

Com O Grande Gatsby aberto, a tentar entrar e eu sem pressa, porque também eu regressarei um dia,

Até que esse dia chegou e eu regressei mais pobre, mais cansado, mais desconhecido para aqueles

Que me conhecem tão bem, não fossem eles partes daquele que digo ser, muito mais que o nome,

Eu com o F.Scott Fitzgerald nas mãos, enquanto uma miúda tagarela de catorze ou quinze anos

(Gostava bem de passar a viagem a beijá-la) me tenta tirar uma foto e eu sem perceber porquê,

Nunca percebi bem porquê, mas sorrio, sorri, escondi-me atrás da cortina do autocarro

E ela sentou-se no lugar ocupado por F. Scott Fitzgerald e quase sobre mim, roubou-me um pouco

Do pouco que era, ainda menos hoje e ter-me-ia levado todo se lhe tivesse provado os lábios

(Antes de aprenderes a atrair, aprende a afastar), mas eu com ilusões de palavras e escritores

E que ainda há tempo, até o tempo chegar, dez anos passarem e os poemas cada vez menos meus,

Cada vez mais longos e com menos significado, a fruta cresce mas torna-se seca e o sumo

Não depende do tamanho, deu-me a sede e o refrigerante patrocinador do torneio em todo lado,

Naquele autocarro em direcção ao Mosteiro dos Jerónimos, onde os meus pés virgens

Pisaram o túmulo de Pessoa e o meu ar sério ao lado de Camões com Vasco da Gama

Sem perceber que fazia eu ali, de fato treino verde, queimado do sol no nariz,

E eu agora sem perceber nada do que até agora e com a sensação que nem vale a pena

Tentar, porque cada segundo que se passa a tentar é tempo perdido numa derrota que se espera inevitável.



06.07.2011



Tampere – Turku (comboio)



João Bosco da Silva


Regurgitações II



Ter os olhos abertos num dia em que o Sol nem descansou, em que cada segundo é um orgasmo

Primordial e inocente entre as muralhas erguidas pelos deuses asgardianos mais reais do que os

Crucificados, porque nunca nasceram, nunca morreram e apesar de terem perdido a fé

Dos seus seguidores, não foram esquecidos. Se aqui for o céu dos católicos tornar-me-ei crente,

Se não (ainda estou vivo, apesar de tudo demasiado belo) continuarei ateu, mas contente e só terei

Pena por a morte me tirar todas as imagens que tentei tornar eternas dentro de um corpo insignificante

Que criou isto tudo em miniatura enquanto lia Trold num quarto pequeno na baixa do Porto,

Porque é impossível imaginar o tamanho real das montanhas mitológicas encerrado entre ruas escuras.

Aves cujos nomes desconheço cantam-me sinfonias que os olhos ouvem com imagens, ao longe

A neve eterna salpicada nas rochas forjadas nas lutas entre titãs, o meu coração também

E uma criança grita palavras que já não consigo traduzir, mas compreendo, lá no fundo

Onde me moram os sonhos, um jovem corvo, enviado por Loki, olha-me com uma profundidade

Negra e segue caminho lentamente, à esquerda Onsogssenter, lê-se na placa e quem sabe noutra vida,

Tromsø finalmente ao alcance real dos olhos e alguém me chama para jantar, baleia,

E o sabor faz-me lembrar os javalis do meu avô, enquanto o Sol ainda alto, luminoso

E maior acima das montanhas da minha segurança infantil. A vida vale a pena e até três

Pequenas ovelhas me parecem dizer mais verdades com o seu olhar curioso do que mil

Poemas escritos à beira de um abismo interior, na segurança de um regresso perdido à casa que nunca mais.



04.07.2011


Hatteng (Noruega)


João Bosco da Silva