terça-feira, 6 de setembro de 2011


Amadurecimento Da Fruta



“Mas que fazer nesta cidade de província,

no inverno, à parte ouvir os velhos

ou inventar histórias, enquanto se bebe café

e aguardente?”


Nuno Júdice



Um dia, não sei que dia, disseram-me que se escreve melhor cansado, com a cara derrotada

Pelas corridas onde não se entrou, batido por quem mais amamos, criticado até por quem

Só merece de nós respeito, respeito como quem respeita as rugas e os cabelos brancos, mudos,

Escreve-se melhor sentado no ponto em que a noite expira púrpura no horizonte, sem papel,

Longe de qualquer tinta e só olhos para dentro, fixos em montes que nascem da escuridão,

Escreve-se melhor com o silêncio interior instalado enquanto se abre a dor a um amigo,

Também a distância ajuda e os melhores poemas trouxeram-se arrastados de uma dor que

Ainda lateja, quase esquecida, e geralmente quem lê e percebe é porque não sente,

Mas se não esteve, esteve lá quando trouxe as palavras para dentro e lhe deu uma razão.

Acrescentou, quem me disse, que se escreve melhor quando a luz é de uma lareira

E o frio empurra a gente em direcção às chamas, o desejo arranca as roupas do corpo

Ainda que lá fora os campos cristalizados, cheios de uma poesia afiada e sem palavras,

A cerveja ajuda e quente também baixam as palavras, a materialização simbólica pode esperar,

A alma do poema é o mais importante, o barro acrescenta-se numa tarde depois do trabalho

Porque a poesia não é trabalho, como respirar não é trabalho, mas permite aguentar mais um dia.

Aconselhou-me a guardar todas as lágrimas, que secam e se tornam versos inteiros, depois

Que haja um leitor que descodifique a estrutura única daquele cristal salgado e complexo,

As dores e as moscas acumulam-se à volta de cadáveres e deve escrever-se como quem ressuscita,

Como quem perdeu para a eternidade, mas acredita ser possível até o infinito ser nada

E um dia virá sempre um dia, em que tudo converge e gota a gota, os beijos, os cabelos

Labirínticos entre dedos molhados com o cio, o esperma espalhado como se o desejo derramado,

Ao luar e a Lua a beber dos dois, as abrasões do tapete nos joelhos, os olhos que se abrem

Quando já se engoliu tudo, as manhãs que nunca nasceram porque tu não estavas, ela estava,

Ele não estava, porque ainda fomos abrir um café inesperado com café e aguardente, enquanto

Alguns esperam o autocarro para a vida real, e outros esperam a boleia para as azeitonas, ou as batatas…

Gota a gota, cresce em lado nenhum o poema a toda a hora, até que outro dia venha e maduro

Cai da macieira cansada, porque mais valem maçãs do que lágrimas em almofadas de quartos vazios.



06.09.2011



Turku



João Bosco da Silva