sábado, 10 de setembro de 2011


Anjo Do Apocalipse



“Eternity is to forget.”


J.B.S



Não, nada está bem neste mundo de chamas invisíveis e nunca se tem tudo para ser feliz

Enquanto se arde, se sente o cheiro a carne queimada no inconsciente, e não há matança

De porco hoje, nem o fumo dos alambiques que nos aquecem a existência, que é a combustão do tempo

Em nós, confessos imortais, nos que deixamos, quando no fim não deixamos mais nada a não ser

Uma esfera de pedra e água, se água, suspensa no esquecimento silencioso do espaço,

Enquanto o universo continua a ser um deus cego, surdo e mudo, que alguns vêem com barba

E cara de homem pregado na cruz por uns romanos, o ridículo em que deixei de acreditar

Quando ainda muito tenro nestas coisas e olhava o firmamento e sentia o peso da nossa insignificância

Naquelas noites de verão a contar estrelas cadentes, agora conto-as olhando o horizonte,

Vejo-as a tombar ao meu lado e o mundo que um dia julguei que iria crescer, a minguar.

Amanhã acordaremos, acordaremos e cá estaremos de novo, completamente de novo,

Só com o pó dos anos que se acumula nas nossas memórias e no fundo somos uma televisão

Desligada, numa sala vazia a chamar a nós o pó, estáticos, negros em vez de papel em branco,

Por isso prefiro chorar no chuveiro, porque as lágrimas sós, são tão ridículas como estes pedaços

De merda de mosca, estes pontos que procuram um significado, dar um sentido às dejecções

De um ser menor que se chama destino e não passa do passar do espaço pelo tempo,

Em direcção à entropia absoluta, quando nós os únicos idiotas existentes que tentamos ir contra

A evidência da finalidade ser o fim, por isso gozo e gozo-me, não tenho mais nada

Além da desorganização gradual e irreversível do que sou, de quem me é, de quem me foi.

Fiquem trancados em igrejas e outros templos, que eu espero a tempestade num descampado,

Enquanto os lobos se aproximam com a fome do fim do mundo, os corvos esperam nos

Círculos do ar que eu me canse e me dispa, esperam pela roupa que me faz ser,

Não o que sou, isso deixo-o aos olhos que me quiserem ler, no descampado

Onde o vento espalhará as folhas de papel pelo esquecimento, até a eternidade engolir

Todas as línguas de Babel, todos os deuses que nunca se chegaram a mostrar, pois eu sou o Anjo Do Apocalipse.



10.09.2011



Turku



João Bosco da Silva