quarta-feira, 21 de setembro de 2011


Amoras, Coelhos E Veteranos



“campeãozinho, campeãozinho…”




O silvado junto à vinha do meu avô, hoje um campo para plantar nabos, onde um coelho ou

Uma cobra que ainda lá deve estar, mesmo depois de tantas pedras atiradas na esperança

De uma certeira, as silvas a encolherem como os anos a esticarem a distância em caminhos

De terra, longe das bicicletas pelos lameiros circundantes abaixo, ossos feitos de borracha

E donos de uma felicidade que gota a gota se perdeu como um empréstimo inconsciente.

As amoras doces, a tomar o lugar da cerveja na manhã que nasce quente e se deseja nada

Além da perdição num lameiro, onde há muitos anos atrás noutra vida, um pau na mão

A fazer de brinquedo e as montanhas do mesmo tamanho atrás de um miúdo sorridente,

Que levantava calhaus com o mesmo pau à procura de lacraus ao pé do cemitério,

No tempo em que as tardes eram imortais e se ia caçar as bruxas para os castanheiros

Porque as folhas se moviam tão longe do sino da igreja, a chamar-nos para o jantar,

A hora de recolher o gado e as prostitutas da Trindade também um dia elas crianças

Com medo a coelhos em silvados, do escuro quando havia apagões e se tinha que ir

Comprar à mercearia da terra velas para a mãe poder fazer o jantar, porque as amoras

Ainda longe e o homem das galochas pela manhã, ainda com os lábios roxos do vinho

A ir às amorinhas, para o tabaquinho, para o copinho e juro que só o vi uma vez comer,

Frango e pão que tirava de um aço de plástico azul, ao balcão do café e segundo reza a lenda,

Um dia morrerá à geada, com um filtro apagado nos lábios centenários, pintados a vinho.



21.09.2011



Turku



João Bosco da Silva


(Des)conselhos Sob Melancolia



para a minha irmã,



Abre as cortinas e deixa a chuva iluminar os momentos convergentes na carne sobrevivente,

Mantém a porta fechada e as mentiras preparadas e bem maquilhadas, já deves ter percebido

Que a gente não precisa de amor, mas sim de mentiras bonitas, ou oferecidas numa rua escura

Como uma prostituta velha que só se consegue vender na fragilidade dos candeeiros solitários,

Sorri para os olhos ocultos debaixo dos guarda-chuvas inúteis no vento e da pressa dos carros

Ao lado dos passeios estreitos, a igreja logo ali ao lado, a ser grande, para ser admirada,

Em direcção ao céu onde nem as andorinhas vivem, já longe onde moram todos os copos

Vazios, todos os sorrisos secos e encolhidos pelo vento quente do bater dos ponteiros

Contra o coração resignado à cadência de uma marcha inevitavelmente fúnebre, tudo corre

Como se a chuva pudesse lavar a gente da tinta com que se pintam, a tinta que os faz ser

Tudo menos aquilo que realmente são, portas trancadas, armários como museus de história

Natural, sofás cansados e abraços contraditos por um suspiro triste e o olhar fixo

Em quem não está, ficou naquele quarto de hotel e na promessa de uma vida que será

Para sempre paralela à que se mostra aos filhos, educa-se com mentiras, espera-se pela noite,

Pelo descampado longe da passagem de outros carros e contagia-se a inocência

Como se a salvação de cada um estivesse na condenação dos outros, aceitam melhor

Uma mentira que o amor incondicional, sorriem mais com o brilho de uma promessa de ouro

Do que com a vontade fertilizadora de uma ejaculação profunda, a sinceridade deixa-a

Com os cães, que também eles metem medo aos vizinhos e nunca, mas nunca

Saias de casa com a cara ainda coberta dos sonhos da noite anterior, ou serás chamado de

Louco, outro sinónimo para sonhador, agradece a quem aceitar o teu amor por dinheiro,

Poderá ser que te poupem o coração, o fígado e o cérebro espalhado numa parede cinzenta,

Aprende a esquecer e deixa a chuva levar tudo o que a luz não tocou, lava as mãos antes de

Ires dormir, não acordes com o cheiro dos seus interiores molhados nos dedos, ressaca

Não dói tanto como a solidão de uma companhia arrefecida, abre as cortinas e põe

A música no máximo, não ouças nenhuma das palavras que leres, ouve-te silenciosamente.



21.09.2011



Turku



João Bosco da Silva