domingo, 2 de outubro de 2011






Precocidade Do Cair Das Folhas





Antes das azeitonas a inocência das uvas no lagar fermenta em troca de noites desesperadas,

Prémios ridículos só do tamanho dos sonhos, do medo dos ratos pequenos só pela hipocrisia

De não se ser sincera ao desejo real, a geada descongela e o dia entra seco, violenta, a violação

Por um pai, consentida, numa terra de deuses mórbidos, com uma única justiça a esperá-los

No fim da vida e venha o azeite, o gosto pela decadência entre pernas que se julgaram portas

De paraíso, onde o cão sarnento passou, deixando o amor raivoso ser dono do destino contagioso

De uma família merecedora de todas as missas de Domingo. Só uma fatia de marmelada no fim

De uma tarde dourada, me convence das asas de algumas pernas pálidas, todas elas tocadas

Pelos incêndios do Verão, quando se queria apenas uma gota de inocência pura, antes do regresso

Ao inferno, onde não se respira por ser real de mais e por doer como o mesmo prazer de seres

Rasgada pelo sabor da tua própria mãe, perdida no rio envelhecido, gasto o brilho, a herança

Que te espera à beira do abismo onde brincas com bonecas, algo que não pediste, nem mereceste,

Mas a ti, tiraram-te os próprios desejos e com isso deixaste de poder amar a vida dos olhos

Infernais, dos sonhos maiores do que tudo o que as tuas mãos podem agarrar, por serem

Possíveis além da realidade que te limita, tornaste-te numa fria boneca, que envelhece.







01.10.2011






Lisboa






João Bosco da Silva






Antes Da Saudade



As galáxias vertidas pelos montes a anos-luz dos sonhos, dão sentido ao ladrar dos cães,

Felizes dos que têm a perversão selvagem dos canídeos e se afastam de igrejas,

Os grilos ainda se fazem ouvir na noite que deixa de acreditar na companhia da unha,

Quase um olho a que chamam Lua, o azul como a vida a ser cortado a nível dos olhos

Pelo rubro que desmaia, chama-se quem não poderá responder, de boca ocupada,

Alguém ajuda a mãe no jantar, uma pitada de inocência e ainda se faz cimento para adiar

O fim antes de um amanhecer sempre impossível, até amanhã, alguém mente sem saber,

As uvas que não foram colhidas começam a perder o brilho, nem as vespas as querem mais

Na sua exigência afiada e dolorosa pela carne fresca e os lábios cansaram-se de esperar

O vinho que fermenta, só os olhos se põem de verdade e dão a imagem de um mundo

Cego, crepitante e de pele, uma misteriosa bruma entre montes chamada saudade.







29.09.2011



Torre de Dona Chama





João Bosco da Silva






Anoitecer



Arrefece, mas nem por isso, só o Sol a tornar-se cobre, chamando os tractores para o jantar

Enquanto o vinho fermenta nas pipas, o pastor de galinhas come uma maçã e ignora o bicho,

No estômago a fome de há dois dias, as crianças já em casa com a mochila tombada num canto,

Quase o silêncio vibrando no espanta-espíritos de conchas, talheres e pratos, uma mota

Longínqua onde vai a minha alma e o verde persistente das folhas do marmeleiro a fazer

Rendas de sombra, lá em cima, deixando um rasto branco como uma vida que acabou de passar,

Breve, vidas esquecidas da proximidade do anoitecer, lento, montanhas solenes que engolem uma estrela.






26.09.2011






Torre de Dona Chama






João Bosco da Silva