sábado, 8 de outubro de 2011


Lição 1


Nem tiveste que olhar para o relógio para vir a hora, o tempo passou por ti

E tu nem lhe fizeste notar a tua presença, há tempo, pensaste, há sempre tempo,

Tu é que és um caso limitado e a diferença entre uma efémera e um humano

Às vezes não é nenhuma. Não viste o relógio naquela parede envelhecida,

Parado há anos, numa ironia de rugas, solidão e tristeza, encerrado tudo num quarto

Doente na baixa de uma cidade que se move como se nada dentro das paredes,

As paredes verdes que hoje azuladas e salpicadas de fungos, soalho acusador

A cada passo porque todos contam, não notas que o tempo continua a rasgar os sonhos?

Pensavas que o beijo à entrada do fim da noite era eterno e que o seu calor

Duraria até ao próximo encontro, mas nunca mais houve próximo encontro

E em ti vive apenas a ideia de ter havido um beijo, quase roubado, mordido

Com a vontade da primeira vez, com a certeza inconsciente de ser o último

Enquanto os táxis caçavam clientes a um ritmo mais lento que os travestis,

A cidade ainda lá está, mas tu não a sentes igual, só tu trazes o mesmo que és,

A cidade sabe que não és, os lábios reconheceriam a diferença e o tempo

Está-se nas tintas para a tua revolta de mais uma vez para nunca mais,

Porque já percebeste que nenhum copo de cerveja é igual, nenhum saberá

Melhor que o anterior e perto do fim da noite, quando a manhã quer

Tomar lugar, só vêm adiar a ressaca ao mesmo tempo que a tornarão pior

E o tempo passa por ti, não te diz nada, não precisa de ti, mas por seres passa,

Para seres passa, enruga-te, descolora-te, encurta-te o caminho em direcção ao nada,

Faz-te maior em cada vez menos, tira-te tudo o que te ofereceu,

Porque não percebeste ainda que tudo é emprestado, nada é, foi ou será teu

A não ser a pele sensível ao tempo que passa, sem relógios, apresenta os lábios.



08.10.2011



Turku



João Bosco da Silva