sexta-feira, 21 de outubro de 2011



No Mundo De Onde Venho




Às vezes basta uma pessoa sentar-se, dar um suspiro ou dois e olhar através da janela,

Algo vem a iluminar, nem que seja uma nuvem que se desvia, por misericórdia,

Um pássaro que no ramo da árvore mais próxima te dedica um olhar breve e regressa

Ao seu mundo de ar e alturas, às vezes nem um cigarro te acende a alma,

Nem o sorriso naquela foto, que esqueceste como se rasgava, daquelas coisas

Que não se pensam, não se aprendem, florescem e quando o Outono vem, impossíveis.

No mundo de onde venho, a gente cura-se à força de álcool, trabalho duro e mal pago,

Infidelidades desnecessárias, nem sempre gratuitas, más-línguas e tradição,

A gente tem tudo para ser triste, mas não parece triste, só quem lê olhares

Percebe, só quem se senta no balcão e bebe o desespero daqueles bancos vazios,

Tão longe e impossíveis de partir, o cansaço das asas, das penas e as raízes

Dos lugares familiares, a mulher do amigo, aquela divorciada, a puta que sacia

O desejo por umas valentes gotas de suor ao Sol, à geada, e amigo é quem paga uma cerveja,

Uns oitenta cêntimos a significar tanto para uma sede que nem se tem, é outra coisa,

Que surge, quando se senta, se debruça no balcão e nem um verso, só a tristeza

A negar ser palavras e para quê palavras, um gajo encosta-as contra a escuridão

E chora aí as lágrimas leitosas que são permitidas aos homens de verdade.

Ninguém anda deprimido, aqui ninguém é maluco, há dias tristes, há dias

Que de manhã a lareira até custa a acender, mas depois lá vai, há quatro ou cinco

Dias no ano em que tudo vale a pena e o resto é a vida, não é, a vida não é fácil,

Mas a gente aqui não vive mal e vive-se tão mal, à espera de algo que não vem,

Que está, sabe-se lá onde e a pernas tão cansadas dos dias, das noites e souberam tão bem

Aquelas noites no hotel, quando ainda era nova e aquelas prendas me destacavam

A beleza, hoje destacam o ridículo em que me tornei, os olhos tornaram-se vergonha,

Tão castanhos, porque o povo às vezes também acerta, foi pena terem fechado

As casas de putas das redondezas, agora um gajo tem que ir até longe e

Às vezes um, tu também por aqui, só com os olhos, porque ninguém se conhece.

Às vezes basta uma pessoa sentar-se, dar um suspiro ou dois e olhar através da janela,

Outras vezes é melhor correr as cortinas, ignorar impossíveis, aceitar o Inverno,

Desviar a cara de qualquer reflexo e acreditar que todas as promessas foram cumpridas

No calor do momento, e hoje, quem resta é apenas a testemunha de que a vida,

Foi no fim de contas uma teimosia contra o nada e o esquecimento.




21.10.2011




Turku




João Bosco da Silva