quinta-feira, 17 de novembro de 2011


Oração Do Ateu



Não se pode tolerar a morte nas noites de insónia, não no espírito acordado que olha para

As mãos calejadas de recordações, cicatrizes antigas a que alguns chamaram sonhos,

Cheiros alheios como desejos e se pergunta, isto tudo afinal para quê, e ela sorri e beija-te

Levemente, provoca-te um suicídio que lhe prometes todas as manhãs e adias todas as noites

Até à manhã seguinte, deixa em ti a semente da perdição e vives apaixonado pelo medo,

Acreditas no amor que a crente te promete, tu que tão cedo abraçaste a certeza da eternidade

Um vazio. Os cães ladram lá fora às sombras dos teus passos quânticos, há quem diga o que

Acredita, fantasmas, a brisa fria toca as folhas com o receio dos virgens, alguém vem de longe

Ou saiu tarde, ou parte, dois faróis apenas, na janela do quarto onde mora a insónia e a morte,

Onde se contam os pedaços de momento e se faz de um colar de missangas o rosário dos ateus.



15.11.2011



Turku



João Bosco da Silva




Gente Linda



Gente linda, gente linda que nunca pisou a areia de uma praia, o mar só uma palavra

E muita água que se vê na televisão, as pernas muito brancas e o horizonte dos que queima

A pele com o pó que as mãos, belas mãos, levantam da terra, olhos cansados do esforço real,

Profundos até ao limite da condição humana, gente que mata a sede com vinho e sacode

A tristeza e o tédio do pouco tempo livre na vizinha, no vizinho, noutra pele de gente linda.

Belos os sonhos desta bela gente, mais uma cerveja que empurram em forma de amizade,

Esperam um bom dia, ou olá, o reconhecimento da sua presença em troca de um olhar,

Merecem todas as saudações aqueles olhos que esperam olhos, aquela vontade de companhia,

Porque a gente linda é tão só, quando faz frio e só as cartas a jogar os segundos à sorte

E mais um cálice de vinho do porto para quem ganhou, um belo cálice numas mãos perfeitas,

Ásperas do cimento, do diluente, dos maus tratos do trabalho mal pago, se a beleza bastasse,

Mas o mundo exige tudo desta bela gente, quase nem alma têm para levar à missa

E lá vai havendo um pouco para levar neste Domingo ou no outro, se o espelho quiser,

O espelho que limita a realidade dos próprios sonhos, desta bela gente, desta gente linda.




17.11.2011



Turku




João Bosco da Silva