segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Comer Laranjas À Noite


enquanto se ouve A Naifa,

Isto de descascar laranjas tem muita ciência, a fome é fundamental, o desespero
Atribui-lhe um poder nutritivo que a gente regular não reconhece, mas quando
Os lábios cederam a cor às uvas fermentadas e ainda se tem o gosto de uma desconhecida
Duvidosa na ponta da língua, ajuda a amarelecer as unhas para desculpar os cigarros.
Quantos santos em quartos alugados, com a alma cheia de garrafas vazias
À mesma hora noutros tempos a fazer o mesmo, unhas na laranja, como
Se aquelas esferas fossem as nádegas do mundo, que tão pouco nos dá
E tanto nos mostra, tanto nos mostra nos dentes vampíricos dos gordos verdes,
Exaustos de tanta carne fresca, explosiva nas nossas imaginações famintas,
Que nem o corpo imagina o resultado efusivo do confronto com tal sorte.
Rasga-se a pele das laranjas, deixa-se cair no chão onde as folhas de papel
Tentam crescer na sua inutilidade de palavras ignoradas, poemas, hálito de vinho
Depois de mais um dia a tentar ganhar o direito à vida, uns trocos ao fim do mês,
Para laranjas, o dedo atravessa a frescura húmida entre gomos e abre-as ao meio,
Mordem-se com a vontade das primeiras pernas abertas, acreditando-se
Que nelas a resposta a todos os silêncios, as paredes gritam, mas são só laranjas,
Longe do purgatório, longe do paraíso que é onde nunca se está, neste inferno
De pó mudo, ou perguntemos a John Fante, e rezemos com ele mais uma Avé Maria,
Como antigamente, mesmo que Nietzsche lá nas alturas onde cérebros laranjas
Contra paredes. A ciência de descascar laranjas como quem veste a solidão
Com uma companhia típica dos ébrios, como quem engole goles apressados
Como se procurasse um interruptor no escuro, inverso, enquanto os gomos
Esguicham o sumo contra os lábios secos, da cor do que matou os avós,
Ninguém culpe a vinha, os pés é que andaram, pisaram e o sumo fermentou.
Venha mais um ano novo, mais mentes virgens para enterrar The Pleasures of The Damned
E esperar que após a fertilização com uns screwdrivers, nasça alguma insatisfação
Criadora, mais martelos capazes de usar palavras como extensões dos dedos amputados.

29.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012


Escrever Chamas Alivia O Inferno

Tantos poemas, sangue desperdiçado, pele de alma rasgada à força,
Com cervejas que nunca parecem ser suficientes, palavras quase escritas
Em bares cheios de vazios, mais um a tentar encontrar-se na inutilidade
Dos símbolos que verdadeiramente ninguém percebe com as emoções,
Por isso a poesia tantas vezes apreciada de forma errada, com olhos,
Quando os olhos deveriam estar fechados e a língua cega, pedaço
De carne quente sobre o melaço agridoce, ligeiramente metálico,
Com um toque de terra e esperma em roupa suja, jornais velhos,
A memória de um perfume, tudo um desperdício, um esforço inútil
Para ressuscitar quem se foi naqueles momentos que o tempo
Tornou definitivamente impossíveis e por isso tão desejados.
Surge na letra de uma música vazia, por vezes no desgosto
Dos lábios abusados noutros tempos, nomes que ainda cicatrizam
No flanco do gado do amor, surge de tão pouco a poesia, dos retalhos
Que compõem a vida, e não passa disso, se passar vale a pena
E a poesia que vale a pena, não é poesia, é trabalho, nunca
Suficiente para comprar umas gotas de sangue, as lágrimas secam,
Tornam-se vírgulas, o ódio solidifica em forma de ponto e o poema parágrafo.

27.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012


O Purgatório, Quando Tudo Passou Menos A Vida

Vive sozinha na casa pequena que os seus pais deixaram, à noite a única companhia
É o remorso pelas muitas loucuras por fazer, por ter, se ao menos esquizofrenia para
Ter com quem falar nas noites de Inverno, acorda de manhã cedo antes do mundo e com café
Come esperança bolorenta barrada com a possibilidade do suicídio, de outra forma não
Seria capaz de arrastar o dia até à noite. Às vezes a morte escreve-lhe cartas perfumadas com
Melancolia afiada até aos ossos gastos, envia-lhe caixas enormes de medo
Que lhe pesam na curvatura das costas. Sonha com violações, calor de desconhecidos
Brutos que acreditam na sua existência, asseguram-lhe que ainda é de carne em becos
Escuros de paredes velhas, pois os espelhos estão a torná-la invisível. Tem saudades
Das fotografias a preto e branco, mas já se esqueceu das vozes que lhe diziam como
Era linda, como a desejavam, como a amavam, ela costumava pisar o excesso das últimas
E isso custou-lhe a firmeza da pele e os olhos de quem a viam além do que olhavam.
Antes de ir dormir, apagando o mundo desprevenido que a acompanha de manhã à noite
Com as suas misérias, problemas e dramas sempre os mesmos com nomes e títulos diferentes,
Ela reza e pede fantasmas e um sono que a lave da amargura que lhe está a encobrir a vida
Antes que se torne em algo que não valeu a pena, as ideias que não passem de ideias
Não a impedirão de entrar no cemitério, onde o conteúdo da sua carcaça mora apodrecido.
No amanhã de todos os dias, ela irá bater as portas com força, como se esbofeteasse
O silêncio que lhe arrefece as entranhas, ganha apenas o ódio dos vizinhos das casas vazias
Onde moram gatos vadios que lhe fogem, como se levassem a felicidade no pêlo sarnento.

26.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

domingo, 22 de janeiro de 2012


Suicídio Lento Dos Cobardes

Somos apenas o resultado do assalto do impossível ao nada.

Alguém dispara uma velha caçadeira contra a noite para afugentar o fantasma do suicídio,
Todos os cães ladram e algumas luzes dos vizinhos acendem-se e apagam-se com a maior
Indiferença, a lareira já fria codifica os segredos em cinzas, as confissões daquelas crianças
Mortas, enterradas em corpos viciados em pecado e obcecados no aperfeiçoamento
Da demolição dos sonhos que se tornaram antigos e foram trocados por alívios baratos
Em becos escuros e breves, o lixo é espalhado pelo vento como boatos infelizes
E nas ruas nasce um silêncio falso, o cheiro a pólvora dissipa-se como a escuridão
E um azul triste toma conta do parto de mais um dia, secam-se as lágrimas em mais
Um copo vazio adiando o sono com a falta de vontade, esquece-se a razão da forca
Pendurada à espera, quando uma carroça passa atravessando o frio da madrugada,
O trote lento sacode a incerteza, já não há mais cartuchos e a garrafa está vazia,
No fim é o vazio que sempre vence, os cães voltam a ser de gente e o mundo
Ganha o sentido de torradas quentes e café acabado de tirar, instala-se o arrastar
De pés até a luz se despedir da ordem postiça do mundo e regressar o fantasma
Do suicídio, a gente deita-se e leva para a cama as mãos sujas com o próprio sangue,
Mais um suicídio lento dos cobardes, aquele que dá tempo ao arrependimento.

22.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012


Um Garrote Para Jim Carroll

Isto, uma luva que não serve e é a única pele que se conhece,
A verdade foi-se esquecendo com a educação,
Só assim nos tornamos humanos, fugindo do tamanho
Real das cores, isto é um pericárdio que serve a muitos,
Mas não é possível nos corações que procuram um ritmo,
Passa-se a vida a encontrar sentido na irregularidade
Dos dias, as montanhas crescem e encolhem
Ao sabor do tempo, as formigas morrem e nós
Nem damos por isso, por isto, um nada que se apaga
Na hora do esquecimento, no cansaço final das sinapses.

19.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Custam Tanto Os Fantasmas Dos Vivos

Custam tanto os fantasmas dos vivos, aquelas lareiras que nos aqueceram, com as
Chaminés silenciosas, os risos da porta fechada naquela casa onde um dia mais um
A rir, hoje só uma janela iluminada que os fantasmas apagam quando se passa na rua,
Tantos nomes escritos no ar onde paira o desejo do esquecimento, as lápides
Esperam com uma amargura de quase medo, toda a saliva seca naqueles lábios
Que murmuram como o frio de correntes de ferro num sótão abandonado,
Um sótão que se é e onde vivem estes fantasmas, que pesam com a sua presença
Ausente, estranha-se o frio vivo quando passam pelas recordações quentes,
E tantos amigos menos carne, arrastados pela corda do desespero,
Dissolvidos pela traição do seu próprio corpo, fechados na eternidade
Com o seu copo sempre cheio, sempre vazio, oscilando entre a sede pelo
Vazio e a fome pela vida, todos mais reais que estes fantasmas que tanto custam,
Agarrados a cheiros, a frases de livros, a versos que escorreram inocentemente
Como uma resina que a casca não conseguiu conter, escondidos em lugares
Sem a sua presença, nas chamas de uma lareira apagada quando os olhos fechados
E um sorriso em forma de medo, que quase quer ser, mas tem vergonha
De mostrar o ódio que os dentes um dia tomaram como carne e hoje fantasmas.

18.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

Poetas



Beija-me o cu, beijo-te o cu, a tua voz própria, inferior à minha,

Em comum temos a ingratidão dos espelhos, mas eles não sabem ler,

Somos tão fundos, um mundo maior no meio dos vermes leitores,

Ninguém nos percebe, beija-me o cu, beijo-te o cu, escreve sobre

Escrever sobre o que escrevo sobre o que escrevemos, que vivam os outros,

Nós temos as palavras, lábios de dedos e olhos do cu, beija-me o cu,

Beijo-te o cu e assim construímos a poesia do século vinte e um,

Somos donos do tempo que ganhamos com palavras, todas de ouro

Não interessa o peso, o vazio vive em quem nos lê,

Escreve-me, escrevo-me, escrevo-te, temos medo de não existir

Com barulho suficiente, pode alguém não dar pela sorte da nossa presença,

Mas que nos olhem as palavras, sintam os versos a desapertar-lhes

A alma e deixar abrir a carne, beijo-te com estas palavras,

Meu sócio, somos donos de todos os nossos beijos, a única poesia

Que podemos admitir neste nosso século vinte e um e

Que pena ainda estarmos vivos, somos tão grandes que entre nós.



18.01.2012



Turku



João Bosco da Silva


Corações E Buracos Negros



O coração tem o ritmo do presságio, escreve nas entrelinhas dos versos

O futuro que nasce no equilíbrio dos passos no limbo, rasgando o vazio

Com mais um desperdício de suspiros adiados, segundos contados

Ao contrário, areia que sobe e desde na ampulheta aberta, o universo,

As cores do infinito uma insuflação até ao limite da imaginação

E o olhar do tamanho dos montes além da carne que se come

Com a curiosidade das crianças nunca nascidas, os deuses verdadeiros,

Até as tripas foram estrelas, mas o desejo é ser filho de um buraco negro,

Esta tendência humana para engolir tudo em memórias, mundos esmagados

No tamanho massivo da ausência, onde o tempo é um e o espaço não respira.



18.01.2012



Turku



João Bosco da Silva

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012


Matança



Chove a gordura do fumeiro que seca, o teu coração também lá pendurado,

Todos aqueles abraços, carne para encher chouriças, ainda bem que fumo

Nos olhos mentidos, cuspidos, a tua boca aberta como se tu séria

E somos feitos desta madeira que crepita, saltam brasas nos olhos

Quando saio de ti e te deixo a pingar gordura, a secar, nunca gostei

Da parte gorda do presunto, por isso te deixo no canto do prato

Para quem gostar de branco, somos feitos de porcos e vinho tinto,

Fumo de urze, mãos de quem nos conhece além da tinta

Com que nos pintamos com livros, músicas, filmes e outras aldrabices,

Lavam-se as mãos ensanguentadas, a faca e guarda-se

Para mais um ano, mais um porco, lava-se e vai-se a força,

Os anos não perdoam, as putas também não e lá se vão as notas,

A vontade barra-se com o cansaço, mais um copo de vinho

Para não ver, dar um jeito ao lume com um pau, queima-se

Um pouco mais de tempo, se calhar um cálice de aguardente

Que a noite é fria e ainda mal começou, amanhã acordarão

Os filhos, convencidos do calor do seu sangue, ignorando que mais uns

Para a matança, fábricas de sonhos em tripas, porcos que se perfumam,

Engordados com ilusões de algo melhor que febras, restos de gente,

Mas a faca tem aliviado muitas gerações, em manhãs como estas.



16.01.2012



Turku



João Bosco da Silva

domingo, 15 de janeiro de 2012


Bom Dia Reverso



Estás aqui, bom dia, como foi a tua ressurreição, muita consagração ao domingo,

Quanto esperma, não me digas, és a mesma, nem tu sabem, a minha mãe continua

A encher chouriças, os meus amigos ainda acreditam em pornografia dos anos oitenta

E a virgindade ainda não se perdeu verdadeiramente, já devias saber, mas

Também não és feita da mesma madeira, não és da seca, que ainda pintada

Faz acreditar em milagres, pergunta a quem te tem sentido o útero e esquece-me,

Hoje estou perdido e hoje é a minha eternidade, já te tinha confessado,

Desculpa-me a ausência dos parágrafos, não tenho pupilas para escrever,

É um problema do excesso de garrafas vazias, tu em nenhuma e eu à procura,

Que ridículo, eu sei, mas desculpa, tenho que te usar em mais um poema,

Sabes bem que é de ti que escrevo, sabes bem que não tem nada a ver contigo,

Só o desespero, o vazio, o suicídio que me chama, grita tanto agora,

Não imaginas, fecha o caixão para ouvires o sufoco em pinho, giestas que nunca

Quiseste conhecer, a pequena caverna da idade do ferro, eu não, eu feito

De um líquido que toma conta de mim, doce, o fígado do meu avô,

Vinho, frio, na casa da lareira eterna, mesmo quando apagada, não ligues,

É só o fim do mundo, o meu mundo pequeno, nem um milhão,

Apesar de ao meu lado se despedirem obrigados de dez milhões

Enquanto lhe pergunto quantas vinhas, quanto azeite e tudo para cortar,

Verde, verde, esperando a minha irmã que um sonho, já que eu

Uma desilusão fumegante de dedos cansados, de ecrãs desligados,

Números apagados, nomes esquecidos, ao menos o que podia ter sido

Mas nunca fui, nem serei, porque nada, eu nada e tu por aqui, bom dia.



15.01.2012



Turku



João Bosco da Silva

sábado, 14 de janeiro de 2012


Nunca Estiveste À Beira Do Rio


Nunca subiste no elevador da miséria, onde pendem roupas a secar no ar

Vicioso, nunca se te abriram portas para os escombros da humanidade,

Nunca viste arco-íris de agulhas contagiosas enquanto crianças fingiam

Brincar além do muro, no recreio da escola, nunca te ensinaram a fazer

A sopa, não a da tua avô, com cheiro a velha rica e perfumes franceses,

Nunca desta a mão à miséria, nem cinquenta cêntimos, passas-lhe por cima

De olhos fechados, maior, tu um génio, tu uma senhora dona de verdades,

Nunca viste a verdade do olhar de agonia de quem pede um pouco

Para menos dor, nunca viste vacas a pastar nuvens, nem amantes

Do esperma de anjos, nunca viste nada e atreves-te a escrever sobre,

Sobre a vida que não é a tua, nem conheces, no conforto da tua cadeira

Design sueco, a ouvir as tuas músicas deprimentes sobre tristezas

Que só imaginas e nem imaginas, a necrose a alastrar, e menos um braço,

As pernas a tornarem-se os próximos portais para o infinito,

Tão curta a eternidade, tão curta a memória dos que te amaram

E hoje és um saco de lixo contagioso, com pernas, com uma sede

Que só tu compreendes, mas não era contigo que estava a falar,

Era contigo, que não conheces o sétimo andar da miséria, da mãe

Que não deixa ir o filho à escola, porque deve, o filho fruto de uma dívida

E depois não havia dinheiro para o aborto, frutos de privações, e escreves,

Tu, pedaço de merda esterilizado, estilizado, misantropo humanista,

Usas palavras inócuas que só dicionários de papel percebem,

Usas palavras sem carne, sem dor, só sonhos de olhos abertos, num mundo

De pesadelos obrigatórios, onde pontes altas se tornam a única purificação.



14.01.2012



Turku



João Bosco da Silva



Orgasmos Numa Ilha



Em ondas a tua carne cuspia-me com um nojo inverso ao teu desejo

Enquanto a janela deixava entrar a maresia e denunciava a presença

Do teu êxtase aos vizinhos que já acordavam numa madrugada de Sul

Sol, suor e sal e a minha vontade uma fúria cega contra a morte,

Como se cada orgasmo teu uma pequena vitória contra o vazio,

A minha pele embebida em ti, o teu cheiro a abrir as portas dos meus poros

E a chamar-lhes casa, o teu nome escrito nas paredes, mas o quarto escuro

E eu digo-te que isto, não passa de sexo, mas tu mal conseguias pedir

O adiamento da verdade, já me cuspias mais uma vez de ti,

Num rebentamento de ondas, espuma, areia e o copo de vodka vazio

Ao luar na varanda que espera os nossos cigarros, o nosso silêncio

Constrangedor, por uma quase vergonha, possuímo-nos um ao outro

Como se fosse possível mastigar o corpo vivo, no entanto, longe,

Alguém esperava por nós, por ti para te fazer esposa, por mim

Para me domar a poesia escrita com esperma, pele e violência

Consentida, mas até lá mergulho mais uma vez nos teus suspiros,

Na tua sinceridade sem palavras, escrita com unhas, orgasmos numa ilha.



13.01.2012



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012



Pequenos Quase Nadas Que Nos São


A almofada é tantas vezes uma extensão vazia da insónia, que acompanha

Todos os pequenos momentos, os quase nadas que ficam e se enchem de

Mais quase nadas, as macieiras ocultando o primeiro beijo, o seu cabelo loiro

E inocente, o avô a sacudir o copo vazio para o chão, aquela mão de terra

Atirada contra o avô fechado no caixão, a cal do muro do cemitério a ser o único

A acreditar no sabor amargo das lágrimas, aguentando os punhos

Que acreditavam que deus em todo lado, também no muro do cemitério,

No copo de vinho vazio, nunca na insónia e o primeiro beijo já nos condenou,

O primeiro dia de aulas, não pode ser a sério, pensava-se, a minha vida agora isto

E foi, muitos anos, muitos professores, poucos mestres, as suas máximas

A pulsarem ainda dentro de nós e os melhores foram os que nos fizeram melhores

Pessoas, os que não executaram sem piedade a nossa criança, os que a deixaram

Caminhar sobre a teoria até a uma verdade compatível com a vida.

Todos os quase nadas, alguns já sem nome, de alguns só a cor do cabelo,

Ruiva, mãe, nunca se imagina uma mãe a receber filhos de desconhecidas assim,

O primeiro cabelo branco antes dos dez, os tios ainda solteiros e hoje

Nós a tornar os nossos pais avós, o copo tantas vezes sacudido para o chão

Partido, o primeiro vago de uva americana tão estranhamente doce, pele grossa,

As mãos aquecidas à pressa depois de se ter andado a brincar com neve

A recompensa dolorosa da felicidade branca a tornar a brincadeira arrependimento,

Aqueles tantos amo-te até se perceber o poder bipolar da palavra,

Até se reconhecer que nunca se irá compreender o conceito e que é algo

Que se diz quando não se consegue bem perceber o que nos vai dentro

Quando alguém, aqueles alguéns que nos aceleravam o coração

Com a proximidade, de um pensamento, o nome e hoje uma saudade

Diluída, inócua de alguém que o tempo também diluiu, talvez o mesmo nome,

Quase nadas, células de alma, aquele personagem do romance que marcou

Os dezasseis anos a morrer debaixo de uma árvore em Espanha, numa guerra

Que não era dele, nenhuma guerra é verdadeiramente nossa,

Todos os pequenos momentos, sentados nos lameiros com os primos

A comer pão caseiro com queijo e marmelada, olhando as vacas pastando

Silenciosas, calmas como o que invejam os filósofos, uma ruminação verde,

Quente, real, nos dias bons pão com Tulicreme, ir ao café com os tios,

Fumar o primeiro cigarro antes dos dez anos e esperar pelos cento e vinte e cinco

Escudos no fim-de-semana para ir comprar um ovo Kinder à mercearia,

As vacas de cortiça feitas pelo avó, debaixo de uma macieira num dos seus lameiros,

A busca às latas de sardinhas pelas ruas da aldeia para fabricar brinquedos,

A caça aos fantasmas nas casas abandonadas e nos palheiros, com a prima afastada,

A imaginação que não se acredita ter tido, a criatividade que se tornou em fome

Por novidade pré-fabricada, todos os pequenos quase nadas que nos assaltam o sono,

Nos deixam esmagados, contra a almofada, pequenos nadas que constituem

Um universo que luta pelo direito ao sono, angustiado pelo medo, pela pena

Por um dia ter que deixar tão pouco num infinito já tão cheio de nada.





11.01.2012



Turku


João Bosco da Silva

Olho-te Como Se Fosses A Noite



a ti,


Olho-te como se fosse noite, a lua cheia e fria, as estrelas tremem, os silêncios impossíveis

E o meu desejo é fechar os olhos e morrer, deixar cair tudo o que fui e penetrar

No sono, porque tudo o que se viu, se quis, se amou, se deixou, se perdeu.

Olho-te como se fosses a noite, inseguro, os teus olhos gatos vadios que me atravessam

O vazio trazido pelo cansaço das horas, não respeitam muros de dentes cerrados,

O teu sorriso alguém numa esquina escura à espera de um cliente ou de uma vítima,

O teu cheiro um candeeiro de rua que desiste, aos poucos, cede ao esquecimento,

As tuas palavras cães que cortam a geada afiando a solidão das lareiras apagadas.

Olho-te e silencio-te com mais uma cerveja, pinto-te de ebriedade e nunca foste

Tão bela, nem tão sincera, como quando eu cego, na tua escuridão de pernas

Que tanto se abriram que se cansaram do desejo, mas compreendo-te porque

Olho-te e vejo-te como a noite que passo, não aquelas que passei, purificadas

Pela distância dos anos, não aquelas em que as minhas mãos ainda virgens de novos pecados,

Mas a que me rasga com a sua presença, me puxa todas as cordas que sustentam

O que sou, todos os nomes, os momentos passados, quem me foi, quem fui,

Olho-te e és a dissecadora da minha pele pintada e sinto-me exposto

À acidez do presente, à carícia do tempo pela carne nua feita de recordações.



11.01.2012



Turku



João Bosco da Silva








Politicians


Big fat motherfuckers

Asking all the time

For sacrifices,

From inside their

Expensive whores,

From their mansions,

Burping expensive wines:

“We have to make sacrifices”

As they were like us,

As they knew what is

To choose

Between grocery

Or Pharmacy,

Between an empty stomach

Or a stopped heart.


What the fuck they know,

High in their castles

Made with our blood,

So far from the sewer

Where we try to survive?

To them sacrifice is just

A word to improve

Their looks.


Pockets

Always too full, friends fat,

Whores, because they need

To be whores,

Twisted hobbies

On children´s ass…


To them we are

Just a soulless number.


Motherfuckers,

Ruling our misery

From safe distance,

With high walls

Made of money

And power.


Even the devil

Feels that his place has been

Taken, by this fuckers

We vote on.



B.



terça-feira, 10 de janeiro de 2012


The Religion



Little did I know

When I looked across

The church,

With my mouth full

Of lies,

My skin contaminated

With holy-water´s bacteria,

That the love of one

For another

Is just the sin everybody

Was talking about

Even in silence,

Pretending to remember

Their sins,

Smiling with pleasure

When they came up

To their minds.


So far was I

Of imagining

My holy milk

On one´s mouth,

Holy as warm

And truth,

Feeling like heaven,

Or at least

No fear, just life

As it was worth it,

Not love at all,

Just a great blow job

On my mother´s car.



B.


“To The Whore Who Took My Poems”



Do you remember

When you stole my unwritten

Poems? Do you

Remember,

Or your head

Is just to show

A new hair-color, a new

Expensive haircut,

Ridiculous jewelry,

To have childish desires

Paid with obscene

Indirect prostitution

(Yes, you are a whore,

A dumb one)?



Do you remember

That night,

Thumbs up

In your ass,

Growing fat,

My words throgh my cock

Up into your uterus?

All other possible poems,

Took by your

Moaning fake love

On my wine ears,

A seeded illusion,

Grown to confusion, that had

To be removed

With all acid poems,

Instead of others,

All the poems you took,

When you made me come,

Even after so much wine,

Inside your body

While your soul

Was on devil´s bank

Account.



B.

sábado, 7 de janeiro de 2012


À Lareira Com Um Copo



Todo o suor bebido à lareira, apressando o sono, já que não há ninguém

Com quem bater umas cartas e as primas todas enrugadas, todas mortas,

A gaita também mais enrugada que nunca e só acorda em sonhos,

Mas ainda sabe bem passar as mãos nas pernas de uma pele bem esticada,

Macia, bem diferente da dureza de enxada que torna as mãos duras, gretadas,

Como a rua lá fora, enquanto cai a geada, dura, gretada, e não sei

O que as chamas me querem dizer, a mim, de mãos cruzadas, copo

Cheio ao lado, a caneca de dois litros já a meio, os meus netos homens,

Eu só, com o meu suor, doce suor, sangue do senhor que me absolve

De todos os cães mortos, todas as tareias que dei, só para provar

Que eu o mais forte, porque não há quem tenha mãos como estas

Capazes de arrancar o aguilhão de um escorpião, depois de já ter

Sido envenenado por um, pior foi a bala que me meteram nas tripas,

Mas eu aqui, duro, a tentar perceber o que o lume me diz, segurando

No copo, levando-o aos lábios, sempre da mesma cor, de vinho,

Finos, quase esquecidos, aqueço as botas que remendei com arames

Sentado no banco pequeno que fiz uma tarde aos sol, o jantar

Foram uns coelhos do monte, mas não sabem como dantes,

A comida sabia melhor quando a mesa cheia, mesmo quando pouca,

Jogava umas cartas, de televisão não percebo, não sei ler

E já ouço pouco, que grande deve ser o mundo, eu tenho parte,

Lameiros, soutos, montes, poços, vinhas, tenho um mundo meu,

Foi maior, agora andam todos por aí fora, e só eu bebo o vinho

À lareira, no Inverno, nesta noite é capaz de nevar, vou-me deitar,

Está frio e não me apetece descer à adega a encher a caneca outra vez.



07.01.2012



Turku



João Bosco da Silva


As Cidades Da Inocência


Velho amigo, lembras-te das cidades que construímos sobre as fragas de granito,

Cobertas de musgo verde e banhadas pelo Sol eterno da nossa terra, cidades

De pedras que juntávamos, roubávamos dos muros de verdade, pequenas,

Das que não fazem a diferença, telhas partidas de casas que já não abrigavam

Ninguém, tábuas que não serão queimadas no Inverno e o Inverno nunca existiu,

Nunca existirá enquanto este Sol nos fizer as costas da mão pela testa que

Nos deixa uma coroa de terra, porque nós os reis, os deuses das cidades

Que erguemos com as nossas pequenas mãos e as nossas imaginações criadoras,

Capazes de passar tardes inteiras entre ruínas com um entusiasmo e uma felicidade

Que alimentavam o Sol e havia sempre algo novo, uma pedra com uma forma excelente

Para começar mais uma casa, minúscula onde se escondiam, por vezes, sapos,

Uma casa habitada por uma verdade maior que aquelas que acendem as primeiras

Lareiras e anunciam o fim da infância, das nossas cidades velho amigo,

Onde o tempo era o do relógio e a minha mãe a chamar-nos para lanchar,

Pão com queixo e marmelada numa barriga cheia de Sol, terra e verde,

A comida dos alquimistas que esqueceram o segredo da eterna juventude,

Os nossos joelhos manchados pelo musgo depois de passarmos tardes

A juntar astros com a força da inocência, construindo civilizações mais grandiosas

Que o auge de todas as extintas e acredita, ainda hoje naquelas fragas, se nos

Agacharmos, podemos sentir as nossas almas pequeninas do tamanho

De cidades eternas e impossíveis, universos feitos de sonhos dos quais acordamos.



06.01.2012



Turku



João Bosco da Silva