quarta-feira, 25 de abril de 2012





Liberdade…

Ontem a liberdade era só de alguns, hoje a ilusão da liberdade é de todos,
Mas os donos continuam a ser os mesmos, deixam andar até acharem por bem
Soltar os cães, coitados, os que têm menos liberdade a impor limites na voz
De quem ao menos, ao menos uma fome que sente e que uma refeição apressada
Não mata, a quem não é dever, porque dever é a forma dos da liberdade
Se manterem livres, mas é sabido, que para uns dormirem, outros tiveram que fazer a cama,
É sabido que dentro das possibilidades, já as possibilidades estão definidas, limitadas,
Só os loucos são verdadeiramente livres, os mortos, e os donos da liberdade,
Presos ao seu poder, à sua doentia fome de excessos, mas festejemos o dia de hoje,
Que houve cravos, mudou de mãos e passados alguns anos, as calças já estão sujas
Outra vez, as mesmas calças, quem sabe se ainda não há gotas de sangue real,
Misturado com anos de comercio de carne, grandes heróis do mar, nobres cegos,
Nação doente e terminal, maiores na história deles que na história da história,
Hábitos de propaganda numa alma cada vez menos orgulhosa das suas cores,
Trocadas pela maior oferta, quem dá mais, ilusão, que liberdade não se vende.

25.04.2012

Turku

João Bosco da Silva


quinta-feira, 19 de abril de 2012


A Exigência Da Fome Pelas Inúteis

Escreve-se melhor com fome, com as sensações sacudidas pelo sono, as últimas
Gotas de sonhos ainda se despedem no esquecimento, as palavras gostam de fome,
Procuram o vazio e aí se multiplicam, são irmãs do priapismo matinal, viciadas
Em níveis baixos de serotonina, e contudo necessitam dias bons para se solidificarem
Nas circunvoluções, vizinhas do herpes à espera da fraqueza, da fome, latentes,
Lactentes do medo, da incerteza e da confusão, de barrigas cheias estão os livros
A arder, demasiada atenção na confecção dos sucos gástricos e as demais enzimas,
Inutilidades quando os dedos pedem carne de alma, os dedos que empurram êmbolos,
Primem gatilhos, levam à boca e com uma carinha daquelas qualquer um se dedicava
Às mamadas, com uma carinha daquelas as palavas não se ouvem, só olhos e palidez
Que pede a violência de um contágio, a perdição num sorriso, tantas fomes
As mães dos poemas, dos não poemas, das sedes e dos suicídios que duram luas e luas,
Hipoglicémias e alcolémias, fumos entranhados até aos ossos dos mortos futuros,
Inibidores selectivos da recaptação da serotonina, porque a vida não chega,
As palavras exigem miséria, miseráveis famintos de barriga cheia, chamas
Nas casas ao lado, alimentando a hipocrisia, as palavras tão necessárias como a vida.

19.04.2012
Turku
João Bosco da Silva

quarta-feira, 18 de abril de 2012



“Chasing Shadows” Enquanto Se Espera


de Django Reinhardt


Vive-se a tentar jogar xadrez com as peças brancas e com as peças pretas, para no fim
Tudo fora do tabuleiro e nem se chora, a terra exige toda a humidade acumulada
Ao longo dos pecados, dos sonhos trocados por nadas que também não se levam
E o nome torna-se em tudo o que conquistamos, quando nem ele uma escolha nossa,
Mais um acaso, como poderia ter sido outro qualquer, mas fomos tornando-nos nós,
Com um cérebro com tendência para isto e para aquilo, para coisa nenhuma, para
Abismos e vazios, para ilusões e desilusões, esquecimentos e pesadelos recorrentes,
Vive-se concentrado no centro de um universo limitado quanto muito, pela pele,
Entre uns centímetros cúbicos onde se fabrica a realidade e tudo o resto
Que nos faz a vida tão pesada e às vezes julga-se o mundo uma grande encenação,
Tu o único, todos os outros um teste, talvez para averiguar se és merecedor da eternidade,
Como se a morte a recompensa suprema pela coragem de ter sido, uma minhoca,
O andar de uma hiena, a resistência das betalactamases ao esforço dos centímetros cúbicos,
E a vida mais vezes um bilhar de bolso, numa multidão de ensimesmados, narcisos
À espera da morte, à espera que o rio seque, que a tinta acabe, que as palavras
Deixem de corresponder a seja o que for, quando na verdade correspondem apenas
Àquilo a que as fazemos corresponder, coincidindo tão poucas vezes nos conceitos abstractos,
Por isso lágrimas e punhos cerrados quando nos falham, quando não chegam
E ejaculações quando já não valem mais que um gemido, um pedido, uma aceitação,
Sabes que te perdes a cada avanço, mas se não avanças, estás perdido num lugar que conheces.


18.04.2012


Turku


João Bosco da Silva

quinta-feira, 12 de abril de 2012




Um Poema Sob Saudade Turca



para a D.K.
Tu esperavas fora da estação de comboios, o Sol ocupava-te o tempo e a tua palidez suave
Cortada pelos óculos de sol enormes, as tuas pernas cruzadas, até ver, lias algo que hoje

Daria outras recordações por saber o quê, e o rio esperava-nos, o dia dependia de nós juntos

Para se dignar a apagar a luz e nem sei quantas horas dura a eternidade, mas a que tu

Me ofereceste, tornou aquele dia num fósforo nesta vida cheia de vento e tantos nadas.

Enquanto o Sol se ia despedindo, também os copos de cerveja, de plástico, comprados

Numa tasca ali perto, os barcos rabelos para inglês ver, e eu e explicar-te com a língua

A história disto tudo, enquanto tentava escrever na tua pele poemas que só mais

Tarde tomariam a forma de palavras, muitas vezes antes de adormecer, as saudades,

E quem nos visse diria que não tínhamos vergonha nenhuma, mas se conhecessem

O brilho da vontade, achariam que a roupa estava a mais e que os meus dedos

Continham toda a minha vida, eu todo em ti, no crepúsculo à beira do Douro

E hoje os dedos só isto, a dor da tua ausência, tantas vezes só, na companhia de gemidos

Falsos, por favor a quem, pergunto-me, mas tu não conheces certos objectos

Que não acreditam no amor, não procuram ser amadas, exigem respeito de quem

Acredita nelas, pedem humilhação paga, claro que paga, nem um olhar seu é gratuito,

Sentem aversão pelo carinho e repugnância por quem as ama com sinceridade,

Oferecem-se à maior oferta, e acreditam que o seu valor é mesmo o da futilidade

Pela qual se vendem, e falo do amor que não foi amor nenhum, só aquilo que te dei

Sem tu me pedires, que foi todo, dei-me todo, esqueci-me do mundo quando

Tu a tornar importante apenas aquela esfera de Lolita Lempicka à tua volta,

Afinal o universo um tamanho definido que te rodeia e eu humanidade curiosa por explorar

Todos os seus segredos, mais uma cerveja e o horizonte já púrpura, acendes um cigarro

E os meus pulmões a desejar o fumo que acabaste de inalar, e tu a encher-me de ti,

Do teu fumo perfumado, quem sabe, se acreditasse, um pouco da tua alma, passa

Alguém conhecido e eu bêbado de ti sorrio-lhe, como quem foi apanhado num pecado bom,

Tu o melhor pecado das minhas migalhas de hóstia, contas-me um pouco do teu caminho

Que eu beijo com a minha atenção, e sonho que a eternidade é a tua presença

Quando ela é possível, por isso desculpa-me esta traição, este querer trazer-te comigo,

Tão longe do tempo, tão longe de ti, ainda respiras e isto deveria ser a carta que nunca

Te escrevi, a resposta à fidelidade da tua memória, tanto esquecimento neste mundo

Sôfrego de passar e morte. Sabes que faço parte deste mundo, mas sou dos que quer tudo

E quer morrer, porque tudo impossível, só a vontade, só um momento e as eternidades

São só a resposta que se tenta encontrar num poema, mas saudade, não responde a nada.



12.04.2012



Turku



João Bosco da Silva



quarta-feira, 11 de abril de 2012



Antes De Tomar Banho


Vou tomar banho, um duche rápido vá e já volto cheio de ressentimento e histórias

De amor eterno e hipocrisia, são só cinco dez minutos e já regresso a pingar,

A secar, livre do que o hoje me tornou, todos os olhares, todas as palmadinhas

Nas costas, os abraços dos amigos, dos amigos que, nem vale a pena,

Apesar de um herege, ainda guardo algum respeito à amizade, mas agora

Tenho que me ir lavar, ainda a tenho entranhada na pele, o seu cheiro,

Que a ela, só uma dor de cabeça de quem passou os dias a beber, já venho,

Só um momento de reflexão, na esperança que com a água vá um pouco de mim,

Alívio da minha presença desde o meu sempre, a luz também suja e a noite

Merece um pouco de respeito, sempre engoliu tudo, nos bancos traseiros,

Debaixo das mantas, em cima delas no descampado, tudo até clamividência

Da inocência das prostitutas, de dentes de rato, mas agora, um duche

E acreditem que é mesmo, não costumo mentir desnecessariamente, só quando

Me calo, só quando engulo, ou acendo mais um cigarro evitando certas presenças

No meu olhar, a chama na projecção que consumo, num prazer mórbido, mas já volto

Para acabar mais um poema, tão desnecessário como muitos outros, mas esses

Ainda dizem que vivem, que vida, o poema só consequência de o sentir e dela a passar.



11.04.2012



Turku



João Bosco da Silva


terça-feira, 10 de abril de 2012



(Des)convencimento Dos Deuses Menores



Vive-se tudo para se perder tudo, aceita-se sempre com uma ilusão de eternidade

O que o nada nos empresta e depois, desamores, ódios só por mãos mal

Habituadas ao corpo de alguém que nunca mais, distâncias mais fortes que a vontade de

Um abraço, olhares que escondem nada mais que uma curiosidade, seja ela qual for,

Todas as cervejas que adiam mais uma ressaca, mais um dia perdido como todos os outros,

Por isso, ao menos passar por ele como quem perde, sem querer saber, porque mesmo

Querendo saber, se perde, deixa portanto chover, lava-te do que te tornaste e não és tu,

Sorri aos para sempre como quem finge acreditar, sem se esforçar e continua

A caminhada sem sentido e sem deus, perdido de tudo menos de ti, condenado à tua

Companhia, mesmo quando é a companhia dos outros que te empurra para o suicídio

Quando o vazio que eles fizeram questão de escavar com as suas promessas

De momento, continua a esculpir a tua forma num pedaço de madeira, enquanto

A vida arrefece, e prepara-te para um brilho mais pálido que o das estrelas,

Também elas vivem para darem tudo ao que vier e o que vier será sempre algo que não tu.



10.04.2012



Turku



João Bosco da Silva


segunda-feira, 9 de abril de 2012



Golden Shower



O tédio exige, mija-me em cima, a sério, claro, tu é que pagas, a bênção

Quente a tonificar a líbido esfomeada, semanas sem um verso, sublimação

A ganhar ferrugem nas articulações dos desvios, um certo brilho

A amor, mas no fim, acaba-se sempre o tempo, insert coin, sempre assim foi

O divertimento, desde que mais uma moeda no bolso, olhares apaixonados,

Tu o maior de todos, o único, mas vem-te rápido, a vida tem mais clientes

À espera, por isso se evitam os beijos na boca, desaperta-se o cinto,

Baixam-se as calças e esquece-se a vida num momento, a mulher em casa

A ser fodida pelas telenovelas, com o útero a mirrar enquanto se

Fertilizam indecentes bocas, o tédio exige, o tédio é o dono da vida,

E quem pode pagar ao tédio, faz valer a vida a pena, dá-me mais um beijo,

Não, já acabou, já não te conheço, já não me conheces, ainda não lavaste

O sal do meu calor, mas é assim, também não espero lembrar-me do teu nome

Enquanto estou a ser digerido pelas tuas entranhas, perder-me no labirinto

Da tua alma prostituída, entre uma chuva dourada que mal alivia este tédio.



09.04.2012



Turku



João Bosco da Silva