quarta-feira, 4 de janeiro de 2012


O Sangue Dos Poetas Suicidas



Canso-me da espuma branca no canto dos teus lábios, como das pombas embriagadas

Das cidades sujas, canso-me do Sol de inverno que obriga a olhos pequenos e horizontes

Como os que vivem nos cafés das aldeias, canso-me das têmporas que ocultam

Pinturas rupestres que ninguém verá enquanto eu cansado, canso-me de ti espelho,

Desse olhar de apocalipse, de messias, com esses lábios de primeiro beijo

Com o sabor da última rata sem pronunciarem o nome, em vão me canso,

Mas as horas obrigam ao cansaço dos poetas suicidas, e o ar da madrugada

Está carregado do seu sangue sedutor, fossem as palavras deles minhas

E a eternidade à distância de um dedo corajoso, de uma carta breve a dizer,

Para mim chegou, cheguei onde cheguei, mesmo cansado, anos e anos

A plantar estrelas à beira mar em dias de luar, para desejar a eternidade vazia

De quem só palavras, e muitas vezes palavras que se vestiram de morte

Para os cegos conseguirem ver com o fascínio dos mortais que julgam

Ressuscitar as múmias enroladas em papiros apodrecidos, mortos todos de cansaço

E canso-me dos dedos que tentam rasgar as teias de aranha e revelar raios de luz

Em casas que se julgam abandonadas nesta cidade fantasma, Madrugada.



04.01.2012



Turku



João Bosco da Silva


Vela De Dinamite Para Os Peixes



Engole os segundos com uma sede de eternidade, as décadas que passam vão-te reduzindo

As possibilidades, mas a potencialidade não se mede pelos anos que te restam,

Tens o tamanho do que aprendeste e muitas vezes aceitar a ignorância é aceitar crescer,

Foram muitos os cães da tua vida e todos eles hoje o mesmo, a cicatriz dos dentes

No pulso direito, a noite que pareceu esgotar toda a tua vontade de viver, mas esperaste,

Assustante os animais nocturnos como tu, mas ainda cá estás, a esmagar com palavras,

A prometer sem saberes, com olhares, muitas vezes só versos percorrendo a linha

Do horizonte que apaga o Sol e todas as manhãs o acende, haja gelo, uma floresta que arde,

Um coração que cansado, desiste do peso do mundo e levita na eternidade sem nomes,

E não há beleza nenhuma nisto tudo, há o perfume dela debruçada na almofada

Concentrada na tua carne a ser dentro dela, a janela aberta e o Verão a entrar,

Há o sabor dos lábios que se cansaram de mentir, ou de acreditar na impossibilidade

Do eterno, só em promessas e todas elas secam antes de se tentar, (não venhas amanhã,

Não serei eu), a cor do seu cabelo na tortura das suas ideias afiadas como dentes

E os teus lábios ardem na separação até um nunca mais até hoje, até nunca

Porque o hoje nunca acaba (não venhas amanhã, não serás tu), mas não tenhas medo

Do desconhecido em que te tornarás, será inocente dos pecados que agora fizeres,

Por isso choras se conseguires com isso apagar as figuras ridículas dirigidas pela paixão,

Se conseguires regar o beijo roubado à lareira no ano virgem e cheio como tu aos dezasseis

Anos, as mãos enormes, o mundo todo à tua espera e nada mudou além do teu olhar,

Habituou-se às paredes, às nuvens baixas, apanhou medo ao vento e esqueceu-se das estrelas,

Debaixo das quais se ilumina o cérebro num orgasmo quase anónimo, quase um jogo de cartas

Que finda num êxtase de origem de universo, que é teu, que és tu, dentro de alguém,

Como se a tua existência dependesse disso e não a do futuro que evitas, porque queres ser

Jovem numa promessa impossível, mas não interessa, a tua vida é a tua vida,

Ninguém será melhor do que tu a vivê-la, ninguém a viverá por ti, haverá e há quem

A trocaria, porque não faz ideia, do peso da vida de cada um, do sabor dos segundos

Com o peso da eternidade, o sabor a um infinito, que nunca chega para ser, e és tu

Na tua limitada existência, entre um gemido abraçado e um suspiro que cai no vazio.



04.01.2012



Turku



João Bosco da Silva