sábado, 7 de janeiro de 2012


À Lareira Com Um Copo



Todo o suor bebido à lareira, apressando o sono, já que não há ninguém

Com quem bater umas cartas e as primas todas enrugadas, todas mortas,

A gaita também mais enrugada que nunca e só acorda em sonhos,

Mas ainda sabe bem passar as mãos nas pernas de uma pele bem esticada,

Macia, bem diferente da dureza de enxada que torna as mãos duras, gretadas,

Como a rua lá fora, enquanto cai a geada, dura, gretada, e não sei

O que as chamas me querem dizer, a mim, de mãos cruzadas, copo

Cheio ao lado, a caneca de dois litros já a meio, os meus netos homens,

Eu só, com o meu suor, doce suor, sangue do senhor que me absolve

De todos os cães mortos, todas as tareias que dei, só para provar

Que eu o mais forte, porque não há quem tenha mãos como estas

Capazes de arrancar o aguilhão de um escorpião, depois de já ter

Sido envenenado por um, pior foi a bala que me meteram nas tripas,

Mas eu aqui, duro, a tentar perceber o que o lume me diz, segurando

No copo, levando-o aos lábios, sempre da mesma cor, de vinho,

Finos, quase esquecidos, aqueço as botas que remendei com arames

Sentado no banco pequeno que fiz uma tarde aos sol, o jantar

Foram uns coelhos do monte, mas não sabem como dantes,

A comida sabia melhor quando a mesa cheia, mesmo quando pouca,

Jogava umas cartas, de televisão não percebo, não sei ler

E já ouço pouco, que grande deve ser o mundo, eu tenho parte,

Lameiros, soutos, montes, poços, vinhas, tenho um mundo meu,

Foi maior, agora andam todos por aí fora, e só eu bebo o vinho

À lareira, no Inverno, nesta noite é capaz de nevar, vou-me deitar,

Está frio e não me apetece descer à adega a encher a caneca outra vez.



07.01.2012



Turku



João Bosco da Silva


As Cidades Da Inocência


Velho amigo, lembras-te das cidades que construímos sobre as fragas de granito,

Cobertas de musgo verde e banhadas pelo Sol eterno da nossa terra, cidades

De pedras que juntávamos, roubávamos dos muros de verdade, pequenas,

Das que não fazem a diferença, telhas partidas de casas que já não abrigavam

Ninguém, tábuas que não serão queimadas no Inverno e o Inverno nunca existiu,

Nunca existirá enquanto este Sol nos fizer as costas da mão pela testa que

Nos deixa uma coroa de terra, porque nós os reis, os deuses das cidades

Que erguemos com as nossas pequenas mãos e as nossas imaginações criadoras,

Capazes de passar tardes inteiras entre ruínas com um entusiasmo e uma felicidade

Que alimentavam o Sol e havia sempre algo novo, uma pedra com uma forma excelente

Para começar mais uma casa, minúscula onde se escondiam, por vezes, sapos,

Uma casa habitada por uma verdade maior que aquelas que acendem as primeiras

Lareiras e anunciam o fim da infância, das nossas cidades velho amigo,

Onde o tempo era o do relógio e a minha mãe a chamar-nos para lanchar,

Pão com queixo e marmelada numa barriga cheia de Sol, terra e verde,

A comida dos alquimistas que esqueceram o segredo da eterna juventude,

Os nossos joelhos manchados pelo musgo depois de passarmos tardes

A juntar astros com a força da inocência, construindo civilizações mais grandiosas

Que o auge de todas as extintas e acredita, ainda hoje naquelas fragas, se nos

Agacharmos, podemos sentir as nossas almas pequeninas do tamanho

De cidades eternas e impossíveis, universos feitos de sonhos dos quais acordamos.



06.01.2012



Turku



João Bosco da Silva