quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Custam Tanto Os Fantasmas Dos Vivos

Custam tanto os fantasmas dos vivos, aquelas lareiras que nos aqueceram, com as
Chaminés silenciosas, os risos da porta fechada naquela casa onde um dia mais um
A rir, hoje só uma janela iluminada que os fantasmas apagam quando se passa na rua,
Tantos nomes escritos no ar onde paira o desejo do esquecimento, as lápides
Esperam com uma amargura de quase medo, toda a saliva seca naqueles lábios
Que murmuram como o frio de correntes de ferro num sótão abandonado,
Um sótão que se é e onde vivem estes fantasmas, que pesam com a sua presença
Ausente, estranha-se o frio vivo quando passam pelas recordações quentes,
E tantos amigos menos carne, arrastados pela corda do desespero,
Dissolvidos pela traição do seu próprio corpo, fechados na eternidade
Com o seu copo sempre cheio, sempre vazio, oscilando entre a sede pelo
Vazio e a fome pela vida, todos mais reais que estes fantasmas que tanto custam,
Agarrados a cheiros, a frases de livros, a versos que escorreram inocentemente
Como uma resina que a casca não conseguiu conter, escondidos em lugares
Sem a sua presença, nas chamas de uma lareira apagada quando os olhos fechados
E um sorriso em forma de medo, que quase quer ser, mas tem vergonha
De mostrar o ódio que os dentes um dia tomaram como carne e hoje fantasmas.

18.01.2012

Turku

João Bosco da Silva

Poetas



Beija-me o cu, beijo-te o cu, a tua voz própria, inferior à minha,

Em comum temos a ingratidão dos espelhos, mas eles não sabem ler,

Somos tão fundos, um mundo maior no meio dos vermes leitores,

Ninguém nos percebe, beija-me o cu, beijo-te o cu, escreve sobre

Escrever sobre o que escrevo sobre o que escrevemos, que vivam os outros,

Nós temos as palavras, lábios de dedos e olhos do cu, beija-me o cu,

Beijo-te o cu e assim construímos a poesia do século vinte e um,

Somos donos do tempo que ganhamos com palavras, todas de ouro

Não interessa o peso, o vazio vive em quem nos lê,

Escreve-me, escrevo-me, escrevo-te, temos medo de não existir

Com barulho suficiente, pode alguém não dar pela sorte da nossa presença,

Mas que nos olhem as palavras, sintam os versos a desapertar-lhes

A alma e deixar abrir a carne, beijo-te com estas palavras,

Meu sócio, somos donos de todos os nossos beijos, a única poesia

Que podemos admitir neste nosso século vinte e um e

Que pena ainda estarmos vivos, somos tão grandes que entre nós.



18.01.2012



Turku



João Bosco da Silva


Corações E Buracos Negros



O coração tem o ritmo do presságio, escreve nas entrelinhas dos versos

O futuro que nasce no equilíbrio dos passos no limbo, rasgando o vazio

Com mais um desperdício de suspiros adiados, segundos contados

Ao contrário, areia que sobe e desde na ampulheta aberta, o universo,

As cores do infinito uma insuflação até ao limite da imaginação

E o olhar do tamanho dos montes além da carne que se come

Com a curiosidade das crianças nunca nascidas, os deuses verdadeiros,

Até as tripas foram estrelas, mas o desejo é ser filho de um buraco negro,

Esta tendência humana para engolir tudo em memórias, mundos esmagados

No tamanho massivo da ausência, onde o tempo é um e o espaço não respira.



18.01.2012



Turku



João Bosco da Silva