quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012




Dissecação Das Ruínas Interiores Da Saudade

Tenho essencialmente saudades do império que nunca conheci, os anos pouco trazem
E levam sempre mais do que as misérias que nos oferecem, cabelos brancos,
Sorrisos cada vez mais difíceis, lágrimas secas que pingam como se palavras
Contra o papel cansado de uma máquina de escrever, tanta pressa de viver,
Esquecidos de que a vida só uma, batida apressadamente, dedos cegos
De quem nasceu cansado e vencido, a quem fizeram acreditar que se pode
Conquistar o mundo para depois lhe amputarem todos os sonhos, despejados
Nos fortes de uma civilização esquecida, uma língua prostituída e os olhos
Fascinados pela distância do horizonte e pelo tamanho ridículo das mãos,
Isto capaz de quase tudo e quase tudo pouco mais que nada, as unhas crescem,
A Lua que se ignora até a noite, apenas escuridão e quartos vazios, cheios de fantasmas
De outros tempos, dizem que são o que somos e parecem ter razão,
Nós cemitérios de melhores tempos, bebe-se na esperança de uma indiferença
Que facilite o passar das horas, quando as horas parecem valer cada vez menos,
Ser cada vez mais curtas e os segundos antes de frescura fluida, um magma
Que não trará fertilidade alguma à terra, só as lápides aumentam a sombra nas cidades
E à noite as velas tremem enquanto as mãos empurram uma mão de resignação
Pela goela abaixo, miligramas a fazer de conta que lágrimas, gritos, um pedido,
Ajuda-me que não consigo viver comigo mesmo, a vida tão isto que eu nunca fui
Ensinado a levar, abusa-se do medo e do horror, joga-se com a loucura em doses
Temporárias, já não se tem medo dos holandeses nas praias, o império umas páginas
De história escritas noutra língua, as pedras da cor da terra não se lembram
Das vidas que lutaram contra o esquecimento de quem pega na canela
Em cidades cinzentas, estéreis, onde o crepúsculo lembra que também o Sol
Um dia nos abandonará a carne, e tudo ossos e roupa pendurada ao vento,
Velas desempregadas dos navegadores de si mesmos, viciados na saudade.

29.02.2012

Turku

João Bosco da Silva