quinta-feira, 29 de março de 2012



A Confusa Lucidez Ao Acordar


Só tenho um dia de cada vez, não sei como esperam de mim eternidades,

Amanhã cá estarei se estiver, ou outro com quase a mesma cara, se calhar

Mais umas dores, menos para viver, a perturbação dos sonhos estranhos,

Em casa da avó, antes das renovações, partilhando com um escritor velho

Uma jovem de dezoito, que conheci acordado numa noite de Verão

E quase me oferecia a virgindade, mas só tinha aquela noite naquela noite

E tudo o que não agarrei, lá ficou, o medo a clamídia, na barba

Do velho, depois de tanta prostituta e mulher abusada pela vida,

Ele que as tentou consertar com o seu caos de porta sempre aberta,

Naquele mesmo quarto onde desenhei orgias, com golden showers,

Antes de saber o que golden ou showers, aos cinco anos, que me levará

Ao inferno, disse-me a minha mãe, por isso, que esperam de quem só tem

Um dia de cada vez e o inferno certo antes da primeira comunhão (?),

O quarto cheio de santos e cheiro a gente, o penico debaixo da cama,

O sonho sem cheiros, só o sabor metálico da carne fresca, a confusão

De estar sem saber como, nem por quê e a sensação de ser um sonho,

Por isso, mergulha-se na perdição que os dias não permitem,

O velho morto, muitos dos dias as primeiras palavras do dia,

As últimas palavras da noite, ajudou-me a perceber que tudo o que temos

É para se perder, ou não seria verdadeiramente nosso,

Por isso se perdemos, é porque um dia tivemos, ou a ilusão,

Mas tudo uma cambada de loucos sem diagnósticos, de viciados

Em drogas não rotuladas como tal, deuses donos de todos os dias

E eu que só me sinto dono dos dias que perdi para sempre, que foram todos

Os que passaram por mim, não passo da tentativa de os trazer comigo,

E nada mais me interessa de verdade, o meu mundo é suficientemente

Frágil para me ocupar todos os segundos, um malabarismo de cristal,

Tu sabes, se não sabes, não te vou exigir nada, por isso, não queiras

Que eu compreenda o mundo, chega que me deixe passar nele

Um dia da cada vez, os sonhos são meus, as recordações vou pedindo

Emprestadas à eternidade que tudo me engole e agora vou ler o que o velho me diz.



29.03.2012



Turku



João Bosco da Silva