terça-feira, 12 de junho de 2012


Cosmopolis

“Talent is more erotic when it´s wasted”
Don Delillo

O tempo passa e eu sentado, nunca realmente no mesmo lugar, derreto num ângulo
Pouco credível e lembro-me dela falar com o namorado de manhã, ao acordar
Ao meu lado num quarto do hotel onde ela trabalhava, há quem passe com o tempo, eu deixo
Que ele passe por mim, sinto o álcool aumentar no sangue, os neurónios gostam, suicidas
Satisfeitos e ela dá-me um abraço e procura algo como amor ou paixão, vá-se lá saber
Naquela ressaca, num beijo, tenta justificar toda a sua traição sincera escorrida na minha pele
Afiada, ela tão deliciosamente bem aparada, sem atrito em lado algum, depois do aperitivo
Até garrafa vazia, roubado ao bar do hotel, na busca de algo que, se esteve, foi até ver os meus
Descendentes condenados naquele estômago árido e a neve lá fora a crepitar nas minhas
Orelhas, umas horas antes, derreto, consumo-me em chamas que tento apaziguar com goles
Loiros, tinha o cabelo quase curto, quero acreditar que era ruivo, mas o nome ficou naquele
Beijo desesperado com as malas ao lado, mais vazias e é triste lembrar-me nos dedos da sua
Deliciosa viscosidade e não me lembrar da cor dos seus olhos, ou de algo à sua volta,
Desde o momento em que os nossos lábios se despegaram até ao momento em que me
Apresentei na recepção do hotel, nem um nome, não me movo, o mundo trata disso por mim
E não tenho em mim todos os seus sonhos, tenho-o todo em mim e quando morrer, será o
Mundo que ficará mais pobre já que eu levo o que trago comigo e nada mais, nem um sonho.

12.06.2012

Turku

João Bosco da Silva

Passou Por Mim E Nada

Ela olha-me da janela do autocarro, finjo não perceber e esqueço o relato dos calções
Curtos que passam e do dia internacional das calças justas, por um inglês e um holandês,
Dou o último gole na cerveja já quente, ela olha, percebe o meu fingimento,
Nunca quando estou a ser sincero, o inglês tomba um vaso de flores da esplanada
E já não dá conta do recado, já ninguém sabe como são dezasseis anos, ela desvia o olhar
E quando o autocarro arranca, ela volta a cabeça para o último ângulo onde eu possível
E lança-me um olhar de podia ter sido, outra coisa, mas é isto, nunca mais, por isso
Vou buscar mais uma cerveja, ainda é cedo e o inglês só ainda agora começou
A fazer merda, escrevo este poema, porque desta vez ficou tudo num olhar,
Não houve lareiras a crepitar gemidos, nem unhas a rasgar versos num papel
Qualquer em cima dos joelhos, limpam-se da barriga os filhos e janela fora que o luar espera,
Venha a noite que todos os autocarros trazem com a sua partida, os vinte anos
A atravessar multidões e braguilhas, fascinadas por abismos e chamas eternas.

08.06.2012

Turku

João Bosco da Silva