terça-feira, 19 de junho de 2012


Uns Casam-se Outros Matam-se

Hoje lembrei-me de ti e chorei, escondido no duche, lembrei-me das quartas-feiras
Em que em vez de ir esfolar os joelhos para o monte ia ter contigo e com as tintas,
As unhas cheias de sonhos ao chegar a casa, lavados com uma escova dura,
O pior da arte é lavar os sonhos que ficam nos dedos, chorei e nem um sonho
Pelo ralo abaixo, ela casou-se e foram então onze anos de poesia inútil, é tempo
De deixar isto para garotos, ou velhos feios, ou gajas que não levam suficiente peso
E procuram respostas em fornos abertos, casou-se e queria ser capaz de me masturbar
De olhos fechados, com a imagem dela, o seu vestido azul contra a luz, à entrada da porta,
Verão, eu apaixonado pela sua silhueta, as suas mãos, na verdade o que tenho procurado
Na roupa interior humedecida, são as suas mãos, mas só promessas, orgasmos e vazio,
No fundo, amei apenas os seus defeitos, as suas cicatrizes, os seus dentes desalinhados,
O sinal fora ao contrário, as proporções desmedidas, nunca consegui amar a não ser mulheres,
Nunca uma boneca me despertou mais que a vontade de um alívio rápido e apressado
E ela casou-se, três dias depois de a ter beijado finalmente, num sonho adolescente,
Ela com a cabeça no meu colo, as mãos, finalmente as mãos, o dedo rodeado por uma promessa
Que não minha e tu rodeado de eternidade e eu há onze anos a escrever inutilidades
Que me têm mantido vivo, quase são, para que te mataste, para que te casaste,
Para que me tolheis a ilusão da eternidade dos outros, Florentino Ariza tinha paciência
Porque era de papel, há onze anos, mas eu já nem papel tenho para tanto cansaço.

19.06.2012

Turku

João Bosco da Silva