sexta-feira, 6 de julho de 2012


No Fim Será O Sujeito

Aperto-te entre os dedos com todo o meu ridículo, um movimento fétido de quem tenta
E não te sinto, sou-te, como tu és o splash antes dos salpicos nas nádegas, a saliva
Que fica nos lábios a latejar depois do beijo, a dor que sem estímulo nos receptores
Anda às voltas nas circunvoluções, já não é, já não está, vais morrer, vais morrer,
És mas não vives na tinta que serão estas palavras, o vestígio de suor numa página
Abandonada, és o que a luz me faz desejar, sempre menos do que as mãos esperavam
Daquilo que os olhos lhe contaram para dentro do comum, mas deus, sou eu.
Crio num instante uma máquina do tempo, que se diz impossível por paradoxos,
Mas sou um paradoxo, basta-me cheirar a lavanda e imediatamente a solidão
E o desespero de um quarto pequeno numa cidade em ruínas, cheio de sonhos
Que hoje guardo no esquecimento, é melhor, mais vale, a criação é dos que
Se dedicam à demolição e sem querer, deixam fragmentos que dão forma
Ao caos, no fundo tudo fruto da destruição de outra coisa qualquer, mas deus,
Sou eu, mais que uma ideia universal, sou um universo nas minhas ideias individuais,
Nas mãos não tenho nada, mas tenho em mim todo o peso de um mundo
E como se isto interessasse, fecho os olhos, inspiro, o cheiro da erva acabada de cortar,
E sinto-me a ser ruminado nos dentes pacientes das vacas num lameiro
Onde fui pedra, um cão vadio à sombra de um abismo, onde fui a faca que esculpia
Uma fatia de pão, barrava com marmelada, tornava a cortiça nas próprias vacas,
Deus sou eu e faço muito mais que durar, nasci sem saber nada e tudo o pouco
Em que me tornei, não precisou de infinitos nem de eternidades, só da oportunidade
De abrir os olhos e ver-se no universo do qual faz parte e é, no fim será o sujeito.

06.07.2012

Turku

João Bosco da Silva