quarta-feira, 5 de setembro de 2012


Fim De Agosto

Debaixo da figueira saboreio os últimos raios de Sol do dia, Agosto diz que já chegou de nadar no rio
E que está na hora de voltar a cair no arrefecimento que é a vida, as uvas amadurecem e os beijos
Começam a fermentar em saudades e embebedam de melancolia, o meu pai, como sempre,
O sempre que eu conheço, não pára, acende o lume no quintal para assar um frango e até o frango
Só ossos no fim, as brasas inúteis e frias como os dias do fim, as noites do fim de Verão e
Prefiro que o meu sempre acabe antes do dele, o meu pai foi feito para viver eu para amargar
Cada segundo de inspiração, o Sol deixou de ser branco e as folhas das videiras são douradas,
As galinhas recitam poemas actuais, daqueles que tento engolir, mas custam-me as penas forçadas,
Tem mais carne de poeta a minha mãe, hoje mais contente por ter ido à cabeleireira e a felicidade
Tão barata para quem a merece, há pouco eu de luto a atravessar o passeio na canícula,
O ourives fechado a responder ao boa tarde com uma dúvida, o quiosque do centro com o mesmo
Cheiro a jornais e eu seco, tão seco, acabando de sacudir mais um conto de Bukowski no saco vazio,
Parindo mais um poema inútil, desnecessário, hiperbolizando a minha labreguice, debaixo da figueira,
Ao lado das tomateiras secas ou ao meu lado, não sei, no fim de Agosto tudo sabe a despedida,
Tudo cheira à morte de Hemingway, ou terra quente, fumo, vinho azedo, frango assado, galinheiro,
Papel sujo com mais um poema, como se do poema dependesse o amadurecimento dos marmelos.

Torre de Dona Chama

25.08.2012

João Bosco da Silva

À Beira Da Praia

Se a areia da praia fosse os teus cabelos colados na minha barba, espalhados no meu corpo
Pela brisa de uma noite quente de lua cheia, gostava de praia, assim prefiro o pó de feno iluminado
Por um feixe de luz que se escapa desde um buraco no telhado de um palheiro, o doce incómodo
Da palha contra as costas nuas e olhando o mar sei tanto do destino quanto do destino te consigo explicar,
A sua impossibilidade de ondas e mais ondas que chegam à praia e só espuma, tudo por fazer, tudo impossível
Antes do primeiro passo dado e o primeiro o último na direção da impossibilidade.
Beijo-te como se tentasse encher os pulmões de ti, os meus lábios a hiperventilar para mergulhar
Nas trevas da tua ausência, abraço-te mas quero que me sejas, quero que a tua pele a minha
E que o momento seja todas as eternidades, o teu cheiro torna as estrelas mais próximas e deixo
De lhe invejar o brilho nas trevas, porque contigo ao meu lado a noite torna-se pálida, a morte
Perde a força do medo, porque, porque, até a vida sem ti medo e vazio, do que a eternidade não alivia.
Encosta o teu corpo de lavanda e trigo à minha carcaça de poeta triste, adormece e acorda-me o sorriso
Que a criança que fui um dia esqueceu, dorme comigo e faz a minha morte valer o seu nome,
Enquanto o mar continuar a chorar-se em espuma na areia que não é o teu cabelo na minha barba.

Praia da Barra / Aveiro

23.08.2012

João Bosco da Silva