quinta-feira, 13 de setembro de 2012


À Volta Da Fogueira

O fumo sobe acima dos amieiros e o rio parece arder com gargalhadas e histórias trazidas
De outros corpos, noutros anos, bebe-se mais uma garrafa de desejo de menos anos
Mas a noite não pára, os Gauloises já se fumaram enquanto o silêncio se instalava
Onde a dilatação das pupilas não chega, o cheiro do cigarro deixou-se dissipar pelo luar
E as gargalhadas azuis, a noite sente-se eterna apesar de cada vez mais fria, mas ainda é cedo,
Hajam mãos para arrancar raízes secas da escuridão, hajam bocas para manter a fogueira acesa
E a mala térmica a tornar-se cada vez mais inútil, as garrafas a tornarem-se vazias uma
Atrás da outra e o momento enorme, difícil chegar ao amanhã na escuridão, numa ebriedade
De mitologias pessoais, hoje somos eternos, ainda consigo ouvir os meus eus de outros tempos
A saltitar de rocha em rocha, a chapinar na água, ainda me vejo nas costas dos meus tios no rio,
Os meus tios da minha idade, os meus primos bebés, ainda vejo o peixe cru a ser engolido vivo,
Ainda sinto o sabor metálico do peixe a mover-se pela noite dentro, sente-se o sabor do café
Feito na fogueira, sabe à terra e mastigamos como se fossem pedaços da pedra filosofal,
Prometem-nos uma noite fria, prometem-nos uma ressaca terrível, mas o fumo ainda sobe
Acima dos amieiros, a madeira crepita nos nossos corações e rimos com conversas sem sentido,
Como sempre devemos fazer na vida sem sentido, rir dela, que o rio leva, frio, rir e acreditar
Que somos eternos, porque somos eternos, os dentes cada vez menos, os cabelos cada vez menos,
Cada vez menos a cor que foi, mas nós cada vez mais noites, esta e todas as outras que se seguiram
Às tardes que foram nossas e nem as raposas se atrevem a incomodar o luar, enquanto o fumo sobe
Acima dos amieiros e se escreve poesia nas brasas, enquanto se assa uma linguiça e se abre
Mais uma garrafa de vinho da vinha de quem acima dos amieiros, entre uma caixa de outra madeira
E a tenda espera, pelo cansaço, pelo silêncio, pela língua quente da manhã contra a ressaca
De uma noite feliz, uma noite que não acabou, porque há noites que ficam a durar na eternidade.

13.09.2012

Turku

João Bosco da Silva