quinta-feira, 11 de outubro de 2012


Putas Com Memória De Elefante

Diz-me que esteve em Portugal em mil novecentos e cinquenta e três, em Leixões,
Ia a caminho de Casablanca desde Helsínquia, uma das muitas histórias que se pode
Encontrar numa insuficiência cardíaca se lhe dermos ouvidos, a primeira notícia ao
Desembarcar foi que Estaline tinha morrido, havia quem festejasse na rua, a morte
De um ditador, no país de outro ditador, do outro lado da Europa, mas em Leixões,
Os seus olhos brilham como se por momentos olhasse no espaço entre nós a chama
De uma vela há muito apagada, é melhor não contar, com uma vontade enorme
De desenterrar algum pecado que deixou saudades, sorrio-lhe maliciosamente,
Com ar de quem conhece muitas outras histórias de putas, de quem esteve,
De quem sabe o que ali vem, como que bater-lhe nas costas para o aliviar daquele
Engasgamento com um pedaço de passado, vamos lá, somos homens e tal e ele,
Continua, em Leixões as mulheres, piscando um olho como se não fossem mesmo mulheres,
Mas são mulheres, baratas, vinte escudos, uma ninharia em marcos e eu sorrio-lhe,
Um sorriso diferente, agora com uma certa tristeza por me dar conta, que já em mil
Novecentos e cinquenta e três, eramos as putas mais baratas da Europa, ele continua
Até Casablanca, mas eu fico naquele Leixões, fico a procurar onde estará quem por vinte
Escudos se vendeu e fez este homem feliz, tento encontrar que felicidade comprou para
Ela própria, estou certo que os vinte escudos se gastaram, também a lembrança de um homem
Alto, loiro, jovem, vindo de longe, dentro, num beco pestilento de Leixões, já se deve ter gasto
Nela, ou não, porque afinal, somos putas com memória de elefante.


10/10/2012

João Bosco da Silva
Weimar Onde Me Sento

Não compreendo, Weimar, só o nome e sinto quase saudades de nunca lá ter estado,
Vejo Nietzsche numa cama, no seu fim, ou à volta, a iniciar-se, para a repetição infinita
Do seu bigode, e sei se fosse seu contemporâneo me veria como uma insecto, limitado,
Preso à educação que me deram, mesmo quando reactivo contra ela, sei que se não tivesse
Ele matado deus e me estivesse a ouvir neste momento, acharia que, apesar de eu hoje estar
Longe do presente de mil e novecentos, abanaria a cabeça desiludido, ainda longe o super-homem,
Nem perto, nem que o bigode se repita infinitamente, a vida não valerá a pena ser vivida
A não ser para repetir os erros que vistos de uma perspectiva cósmica são correctos como
Tudo o é, por ser, mas lá está a água benta a fermentar colónias e o pão a colar-se no palato
Das velhas que temem a foice da escuridão eterna, elas que tão castas, depois de secarem,
E Weimar tão familiar, que quase me sinto em casa quando o vejo marcado num mapa da Europa,
Mesmo estando num país que cada vez mais me afasta dele, que cada vez mais se afasta dele
E abraça as imposições estrangeiras de joelhos, de calças baixas e bolsos vazios, eis os super-homens,
A rezar à nova religião, à espera de flutuações favoráveis como de milagres, novos cristãos
Que por muito que se esforcem, serão postos de lado e comerão alheiras, para evitar
A fogueira inevitável, Weimar, e Nietzsche abençoado pela loucura, paz finalmente, paz trazida
Da consequência das suas visitas às putas, diz-se que sífilis, Lou Salomé diz-lhe que não eternamente
E ele repetidamente a morrer em Weimar, enquanto eu morro aqui, longe, sempre longe e estrangeiro.

11.10.2012

João Bosco da Silva