segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Mega Drive

para o Carlos,

Há jogos hoje, considerados retro, mas que para mim são mais do que o velho antigo, estar na moda,
São cheiros que me chegam ao hipocampo através dos olhos, dos ouvidos, dos dedos ou até
Do nariz, o cheiro do pó que se sopra dos cartuchos de plástico, para os pôr a dar outra vez,
Um sopro mágico, um botão pressionado e é Verão, Agosto e a minha mãe cozinha os mexilhões
Que apanhamos no rio com os tios de França, a cozinha quente e húmida, o cheiro íntimo do rio,
Ou é aquela neta da amiga da minha mãe, à espera que eu perdesse uma vida para poder
Ser ela a seguir, com o seu cabelo sempre muito curto, olhos vivos e dentes de malandra,
Que depois à noite, passou o tempo, enquanto a avó tagarelava com a minha mãe na cozinha,
A massajar-me os tomates e a gaita por fora das calças, nas escadas, ao escuro, apertava com força,
Até à dor verde, mas não importava, ainda tinha mais vidas para morrer, aliviava-me os tesões tenros
De idade, é quase sempre Verão e o amigo do Porto está na vila e passamos as horas da canícula
A tentar chegar ao fim deste jogo, um nível a seguir ao outro, até o Sol nos dar tréguas e um
Nível nos esgotar a paciência daquele dia, lá íamos então, comprar um gelado ao quiosque do jardim
Da vila, ou beber um ice tea a caminho da casa do outro amigo que morava no extremo oposto,
É o meu pai a dizer-nos que ficamos com os olhos em bico e a acertar nas minhas dioptrias
E a minha mãe a desligar-nos o contador da luz, porque isso faz-vos mal tanto tempo, e eu e o
Meu velho amigo a caminho de sua casa, a fazer de conta que uma volta para apanhar ar e Sol,
Mas o cartucho escondido no bolso, para tentar encontrar o ponto fraco daquele big boss persistente,
Às vezes também é no Natal enquanto não se podem abrir as prendas e a missa do galo um nível
Onde nunca nenhum de nós tinha chegado, ou as férias de Natal com o primo que mais se admirava,
Com a sua colecção de jogos e a neve lá fora a tornar as férias em mais dois ou três dias de lareira,
Sofá e botões infinitamente pressionados para aquecer os dedos frios dos jogos na neve,
É alguém a dizer que quer ver o futebol e nós de pé, com os comandos na mão, a caminhar
Lentamente em direcção ao botão vermelho, estava quase, e que alívio acabar um jogo,
Mais uma conquista, comparável às conquistas de carne dos anos futuros, mas com a doçura
Da inocência, hoje quando jogo, quando jogamos, o peso dos anos torna-se mais leve, pousa-se
Por momentos o imenso saco de lixo que fomos acumulando ano após ano e somos quem fomos,
Sopramos o pó do cartucho e está resolvido, os anos de desuso da criança que fomos dissipam-se,
Soprámos e vai dar, a vida vai ter um sentido, em direcção ao último nível, a vida vai ser um desafio seguro,
Os objectivos são simples, salvar a princesa, vingar o pai, vencer o cientista malvado,
Somos capazes disso tudo, é uma questão começar e persistir, o controlo está nas nossas mãos.

10.10.2012


João Bosco da Silva