quarta-feira, 12 de dezembro de 2012


Nas Mãos A Recordação Daquele Beijo
Reminiscências da Rua do Almada

Como escreveu alguém que conheci, escreve-se melhor no cansaço, na amargura dos
Dias que são hojes, e são cinzentos e convencem os olhos de que melhor fechados,
Voltados para o impossível, aquele cinzeiro onde ela apagava o cigarro com um olhar
Esfíngico e eu sem mais nada para lhe oferecer que a minha companhia pessimista,
A minha palidez fria de pensamento e ela toda olhos, lábios que de certeza, não se
Humedeciam sem intenções de me provocar o desconforto existencialista à flor da pele,
Para nada, dizia-lhe, para nada tudo, é melhor ir para casa e adormecer e conservar
A possibilidade de tudo dentro de nós, e hoje só o beijo arrancado ao desespero de muitas
Noites de desejos afogados em portas trancadas e lá fora só o silêncio dos ladrões
Na calçada, o cheiro das prostitutas a chamar ridículo às masturbações bafientas,
Porque para nada, e perder-te seria como arrancar um transplante tolerado, adoptado
Como parte própria, e assim perdi-te sem nunca te ter e os lábios separaram-se
Numa arrancar e um pouco de mim ficou a latejar nos teus dentes, tu toda a latejar
No meu cansaço, nos meus dias de maior sombra, porque tu me conheceste quando
A massa atingia o ponto crítico e se engolia a si mesma com o todo o peso do niilismo,
Lias-me os lábios e sabias que Nietzsche era um muro erguido entre a minha vontade
Real e o teu corpo, lias-me e sabias que as minhas palavras queriam ser antes dedos
A percorrer o teu corpo, a entrar dentro de ti e a sentir a verdade absoluta da tua excitação,
Entretanto os anos passaram, só o cansaço ficou, cada vez maior, tão grande que esmagou
Todos os muros, todos os para nadas, esmagou tudo e agora, que tudo uma polpa
Indefinível e insensível, beijam-se todas as prostitutas e lambem-se todas as calçadas
Em busca de um rasto dos teus lábios, das noites em que não te possuí com a força
Da vontade, para não te perder, e agora nas mãos, só a recordação daquele beijo,
Rodeada pelo vazio do nada em que todas as possibilidades se tornaram neste futuro.

12.12.12

Turku

João Bosco da Silva