quinta-feira, 27 de junho de 2013

Dissecação De Sombras Ao Sol

Será que os poetas vão à praia e mostram as suas pernas brancas, será que fodem além
Das dadas nos gabinetes bolorentos, será que bebem cerveja em tascas de aldeia e jogam às
Cartas com velhos que nunca leram um verso, será que ouvem também as histórias desses
Velhos, andarão de transportes públicos contribuindo para o cheiro azedo a virilha suada,
Também usarão o olhar para desviar as cuecas ou só a influência que conquistaram a dar o
Deles a quem se despede dos últimos tesões, será que são fiéis ou infiéis a si mesmos, sempre,
Terão marcado com passos inocentes o caminho de terra para lado nenhum e salpicado o pó
Com sangue infantil, será que vêem adaptações de Chuck Palahniuk ou de Don Delillo, ou
Viram Salo antes dos dezasseis, comerão pipocas no cinema e levarão camisa e gravata,
Levaram ou levarão porrada, os poetas, sei que os há que merecem, será que também morrem
De acidente de carro, ou alvejados no meio da rua por um poeta rival, ou esfaqueados por
Ciúmes ou por uma infidelidade em nome da falta de imaginação, será que também sentem
O cheiro das casas de banho públicas e têm saudades de abrir um armário de naftalina,
Terão bebido eles sangue com vinho do Porto ou só escrevem aquilo a que nunca o seu corpo
Se atreveu, será que vão nus à sauna e metem conversa com quem estiver ao lado, ou terão
Medo do que quer que seja, perder um verso, será que têm pilas das que crescem ou das que
Não surpreendem quando aquecem, terão a prontidão de um louco para foder, em qualquer
Lado a qualquer hora sem outra razão a não ser a vontade, ou estarão todos cerimónias
E constrangimento, a tratar a cona por você e, a menina tem muito talento, enquanto a irmã
Da gaja que mete o dedo no cu finge dormir e espera que a recuperação seja rápida, do que
São feitos esses, os que escrevem o que todos dizem apreciar e fingem perceber, e nem eles
Conhecem o que lhes usa as mãos, os dedos e lhes obriga os olhos à solidão das palavras

Palheiros

26.06.2013



João Bosco da Silva

sábado, 22 de junho de 2013

Toca-te Antes De Vires

Ninguém acredita que escreves poesia sentado na mesma cadeira onde fazias os trabalhos de casa
Na primeira classe, nem deves saber tu, que até o Sol, que julgas conhecer tão bem e desde sempre,
Que te queimou tantas vezes com indiferença ao teu suor e te faltou em tantas manhãs sem luvas,
Geadas afiadas que cortavam os dedos pequenos, que até o Sol cada vez menos hidrogénio, escreves
Com uma caligrafia cada vez mais comprometedora e não te admires por ninguém te querer confiar a filha
Ou a mulher, contenta-te com as avós e as mães secas, os dentes estão caros para lambões e os teus livros
Tomam o cheiro do teu covil, perdes logo a vontade de os abrires e de lhes inspirares fundo o cheiro
A entranhas industriais, querias suor, sangue, fumos de outros tempos, secreções vaginais, o aroma
Das coxas quentes enquanto o esperma escorre traçando uma linha silenciosa até aos joelhos, que lambes
E usas mais tarde em forma de verso, sentado nessa cadeira onde aprendeste a desenhar as letras,
Para agora isto, nisto te teres tornado, leste o que tinhas para ler e deixaste a lista que tinhas feito
Aos dezasseis anos para a próxima vez que sacudires o líquido amniótico, nada te mudou na verdade,
Nada te trouxe algo de novo além de uma hipertrofia aqui e uma atrofia além, mijas mais do que o que choras,
Mas de forma anormal, o nariz tornou-se-te apurado e agora cheira-te a cabra em todo o lado, evitas
Os espelhos com medo a cornos e cabelo branco e quando te confrontas com um, concentras-te nas pupilas,
Procuras-te na profundidade escura que julgas ter, mas tu tão superficial, ao lado de todas as cicatrizes,
Tu todas as cicatrizes, as mais recentes e as mais antigas e pouco mais, o resto são páginas em branco
Onde te rasgas numa caligrafia de psicopata, sentado num trono de infância, onde sem esperares
Ser, eras ainda tudo, agora julgas conhecer o Sol, como julgas conhecer-te a ti mesmo, mas foste-te
Consumindo em treva, estás maior, cada vez mais frio, não mereces a carne onde te vertes, nem a cadeira
Onde escorres, negro à espera de mais uma vítima fascinada pela tua estranha familiaridade.

Torre de Dona Chama

22.06.2013


João Bosco da Silva
Gato Branco

Vinha da escola para almoçar, pelo caminho menos percorrido, só, e ao passar no posto da guarda,
Ouço um gato a miar como um pedinte num transe de fome, paro até ele me ver e vem ter comigo,
Mia, um olho verde e outro azul, sem cauda, um mutante branco, acaricio-lhe o pêlo com cuidado,
Ele mia e ronrona, continuo caminho e ele segue-me, até casa, mia, em casa, dou-lhe de comer,
De beber e ele mia, perto da lareira, olha tudo em volta com a mesma fome com que mia, as orelhas
Imóveis quando o chamo, chamo-o e ele mia, almoço e vou para a escola, ele fica porque não me viu sair,
À tarde quando regresso, vejo-o no meio do caminho do bairro, babado, mordido, silencioso, morto,
Os cães do bairro tinham-no calado e ele, nem notou o silêncio que lhe caia em cima, lhe esmagava
Os ossos, era surdo e eu cego, afinal comparado com a violência dos dentes e das patas, o que é
A pena e a piedade de um miúdo, crescer é trocar o coração por caninos maiores, é tornar-se cão.

João Bosco da Silva

Torre de Dona Chama


21.06.2013

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Deus De Uma Eternidade Pequena

Acordo em África, tudo tão familiar como sempre, as minhas mãos do tamanho que têm tido,
O cheiro diferente de um novo dia, a terra húmida dizem-me os pássaros e daqueles ventos
Que não tocam, tímidos, como um adolescente a caminhar sobre um pântano de uma
Tira-virgos profissional, que mal sabem por que drogas se hão-de meter, aqui fome
E uma estranha exigência de mais vida, quando lado a lado tanta vida a tentar matar-se,
Corro o fecho da tenda, descubro os membros quentes e o Sol parece tardar hoje,
Há cinza, corre pela água, alguém está a ser cremado na Índia, mais em baixo as mulheres
Lavam as cores da roupa, chega de insultos ao luto católico, o abandono dos cemitérios nas
Aldeias pequenas, extinguem-se os fogos-fátuos, já ninguém quer dormir em cemitérios rurais,
Escolhem morrer em Paris em banheiras e os leões a deixarem material para recordações
Ao lado da bosta dos búfalos, dói não ser beijado na pedra depois de morto, ou a ideia
Em vida disto tudo, acordo, mas parece-me que ainda sinto no hálito o gosto daquela
Promessa que ficou antes de se vir, e a sede, não me lembro de ter bebido mais de cinco
Tuskers ontem à noite, devo ter armado mal a rede e os mosquitos chuparam-me todo pelos
Dedos, não me apetece foder, apesar do tesão, daí estar nisto, escrevo os excessos do meu
Metabolismo, os meus olhos foram habituados a hipocrisias de catecismo e beatas apagadas
Em saias e mais saias e menos dentes para serem os mosquitos abençoados dos padres,
A frontalidade de África é olhar directamente o Sol ao meio-dia e a terra é vermelha,
Sem pretender esconder o sangue que a alimentou ao logo dos milénios, não como aqui onde
Durmo e finjo uma cegueira de burro de nora, seca, para lado nenhum, a água e os sonhos,
Furta-se a vida à vida e só se vive de morte, as ilusões estão mais vivas que os insultos da
Verdade, os búfalos mugem, mas se abrir realmente os olhos, sei que estou é rodeado de vacas.

Torre de Dona Chama

19.06.2013


João Bosco da Silva

Desconsolhos

Não peças mais do que isto, um alçapão para o infinito, um padre crente e um deus bêbado,
Tudo o resto é consentimento de cornos, desconfia dos vinte cêntimos que encontras no
Passeio e da legitimidade de uma saudação, ignora o sorriso dos desconhecidos no bar, são
Todos fugitivos de um manicómio para doenças psiquiátricas do futuro, não peças mais nada,
Já tens granizo de chumbo para tempestades e um sofá abandonado no meio daquele
Descampado para os lados onde ninguém te encontrará a asfixiares no teu próprio vómito,
Não esperes boa vontade, ou favores sem favores, tudo, mais cedo ou mais tarde, irá cair-te
No cu e será pago com humilhação e louvores, esquece a devoção, deus trai mais do que uma
Puta de aldeia no dia da festa no palheiro do patrão do pai, não arranques cabelos, tudo o que
Tens são os primeiros segundos para te fazeres valer, às vezes duram pouco, não sacudas a
Areia da ampulheta, não sejas tão exigente, chama-lhe gatinhar se preferires, mas evita pôr-te
De pé, ninguém diz que não a uma boa mamada ou a uma língua transmutadora de todos os
Valores, que no fim de contas não valem nada, empunha a garrafa como uma espada, poderá
Não te salvar, mas ao menos fecha-te os olhos e abre-te um abismo ao lado, e a garganta,
Agora vai e não percas a chave, destas só encontrarás em cemitérios ao lado de velas extintas.

Torre de Dona Chama

12.06.2013


João Bosco da Silva

Carta A Um Maldito Na Eternidade

“No, It´s not fair, but one man´s god is another man´s devil”
Chuck Palahniuk

Escrevo-te do galinheiro, ou se preferires, do inferno, só tenho Sol e uma cerveja como companhia
E ele já se põe, nas minhas costas, só o cansaço e o pó de todos os anos, desde os mais primitivos
Até esta actualidade onde me desfaço num ritmo sinusal, só para ficar bonito e facilitar interpretações,
Sabes que aparento pele de cidade quando estou calado, mas quando começo a abrir entradas e saídas,
Tirando os olhos, que esses são de outros infernos, revelo-me um verdadeiro javali alimentado com
Raízes de urze, granito e a carne da fome e por isto peço-te desculpa, também há rosas e as hóstias
Parecem sair nos pacotes de batatas fritas, por isso também aí falho e nada do que li me tornou mais,
Tudo me encolheu a um canto da minha alma vazia, que também não me pertence, vou pagando
A renda como posso, com fodas e outras limpezas cá na terra, juro-te que está tudo bem, às vezes
Há ovos, mas só para matar a fome imediata da manhã, o dia, vai-se durando encostado às sombras,
Até elas têm fugido, sabes, ao menos a mão já não me dói e a pele tornou-se um contraste da infância,
Também tu querias escurecer na eternidade, tornaste-te deus maldito e deixaste-te ser levado pela
Areia e outras amputações por correspondência, talvez a minha irmã me salve como a tua em chamas,
Enquanto lhe lias aquilo que escrevias e que queria dizer tudo o que estava lá escrito, espero que
Não te doa o vazio e tenho pena que o corpo te tenha abandonado, aqui há outros desertos, à noite
Lembram-me a tua cidade cinzenta que prateada quando chove, despeço-me com todo o mar
Que desejares e mais olhos para ver além do além, ó anjo maldito de asas de papel.

Torre de Dona Chama

12.06.2013


João Bosco da Silva