sábado, 22 de junho de 2013

Gato Branco

Vinha da escola para almoçar, pelo caminho menos percorrido, só, e ao passar no posto da guarda,
Ouço um gato a miar como um pedinte num transe de fome, paro até ele me ver e vem ter comigo,
Mia, um olho verde e outro azul, sem cauda, um mutante branco, acaricio-lhe o pêlo com cuidado,
Ele mia e ronrona, continuo caminho e ele segue-me, até casa, mia, em casa, dou-lhe de comer,
De beber e ele mia, perto da lareira, olha tudo em volta com a mesma fome com que mia, as orelhas
Imóveis quando o chamo, chamo-o e ele mia, almoço e vou para a escola, ele fica porque não me viu sair,
À tarde quando regresso, vejo-o no meio do caminho do bairro, babado, mordido, silencioso, morto,
Os cães do bairro tinham-no calado e ele, nem notou o silêncio que lhe caia em cima, lhe esmagava
Os ossos, era surdo e eu cego, afinal comparado com a violência dos dentes e das patas, o que é
A pena e a piedade de um miúdo, crescer é trocar o coração por caninos maiores, é tornar-se cão.

João Bosco da Silva

Torre de Dona Chama


21.06.2013

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