segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sonho Em Veneza

É difícil perdermo-nos em Veneza, lá, está-se sempre num sonho, não se sente
Fome ou cansaço, os olhos engolem o corpo todo e por osmose absorve o que
A alma pede, não deixo de sentir inveja dos que aqui vivem, os seus altos e baixos,
Todos os dias, tão mais belos que os meus, sobe-se, desce-se e sempre uma recompensa,
Ao se sair de uma rua escura e estreita uma praça que abre tanto os olhos que não bastam
E pedem também a boca para se engolir tanto fascínio, entra-se na igreja de S. Pantalon,
Olha-se para cima e sente-se o peso do Síndrome de Stendhal a espremer-nos até
Ao limite da beleza suportável em tons escuros, não se pode ter medo de morrer em Veneza,
Penso até, que aqui, se recebe a morte sem tristeza, mas com romantismo, talvez um pouco
De melancolia, mas não da que o português sente, mais daquela de passar por uma porta
Aberta e ouvir um ensaio das Quatro Estações no berço de Vivaldi, é verdade que aqui não
Se deve beber muito à noite, a não ser que se tenha um anjo da guarda atento, gondoleiro,
Aconselha-se a vista desarmada e sem medo de encarar decotes ou olhos de gelo com vontade
De serem penetrados enquanto pálpebras se apertam em mais um canal e a gôndola passa,
A espuma da cerveja aquece, está-se num sonho, ao lado da Hostaria Venexiana, à espera
De uma morte do que se esqueceu de acordar, sete horas depois do almoço, ainda com a
Piazza S. Marco a latejar profundamente, desde o córtex occipital ao frontal, atravessando
Em linha recta as memórias congénitas do hipocampo, um dia voltarei com a impossibilidade
De regressar acordado, lá, só um avião me conseguiu beliscar, enquanto o Sol se deixava levar
Pela cidade a acender-se nos canais, mesmo assim, sorri, com a mesma seriedade com que
Cada pedra foi colocada em cima de estacas de madeira vindas da Eslovénia, Croácia e
Montenegro, cada canal violado com a inocência da fome dos turistas, que lhe perdem
Tempo em montras com nomes que se encontram também no Japão, como também o cheiro
A gasolina e protector solar, os dentes americanos mastigam quantos dólares uns sapatos
E o seu tamanho perante a beleza da sereníssima, nem a pele queimada pelo Sol se lembra
De despertar, só a de fora contra os olhos e toda a fome de sonho, de sombra e frescura,
E ainda dizem que Veneza é melancólica, nunca viram a invicta do império que levou
Ao dito declínio da que se afunda no Adriático, enquanto com o vibrar de cordas
No crepúsculo, ressoa no coração amargo de um poeta, é decididamente mais fácil
 Morrer-se em Veneza que nos perdermos lá, só o coração se perde entre o corpo e o sonho.

Veneza

01.08.2013


João Bosco da Silva