quinta-feira, 6 de março de 2014

Sobre O Poema

O poema, o poema não interessa, o importante é o percurso até à vontade do poema,
A vida consumida que dará carvão para poder surgir o registo do que ardeu, do que
Se sacrificou para poder existir na forma do que pode ser absorvido pelos olhos estranhos,
E digerido de uma forma sempre diferente, uma digestão inversa, entropia de pernas
Para o ar quando se lê, se recria aquilo que o poema se torna e é, não o poema, mas
O que o poema é nos olhos alheios aos dedos de quem o escreveu, o poema, esse,
Sozinho, que se foda, são palavras e as palavras não interessam, não sem o que lhe
Dá razão de ser, não sem o que as suporta e justifica, como o poema, sem os ossos,
E a carne e o sangue e o esperma e merda, não interessa a ninguém, a não ser a
Corpos vazios como as palavras vazias, alimentados com teoria e com a boca tão seca
De outras salivas, com os dedos manchados apenas com tinta, olhos grossos por terem
Visto a vida a poucos centímetros e cheios de certezas de cabelos brancos não merecidos,
O poema, o poema não interessa, mostra-me o que o trouxe cá, isso sim, me alimenta.

06-03-2014

Coimbra


João Bosco da Silva

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