sexta-feira, 9 de maio de 2014

Parafilias Bucólicas

Tem-se medo da inocência, de olhar e ver apenas o momento bucólico,
Sem a adição do que se sabe, por trás, por sabe-se lá que dinheiro,
Objectos ou favores ridículos, a abrir as pernas para os velhos ricos de idade e vício,
Prefere-se o burro e as casas arruinadas pelo esquecimento, a distância
Das árvores que secaram ou arderam, do que o ruído que contamina o olhar
De criança, vê-la como antes, com indiferença sem maldade, ver por ver, sem adição
De culpa ou cicatrizações forçadas de segredos abertos para os lados do rio de baixo,
Onde tantas histórias correm e quase tantos tomates se correram,
Desde épocas mitológicas, com o primeiro pó do ano e a água ainda fria de Abril e Maio,
Toda a gente cresceu para se engolir em desejos incompletos, ser para olhos indignos,
Revelar-se na escuridão ou nos favores das velas e nos cantos de que toda a gente fala
E ninguém vê, custam-me tanto os pecados dos outros, especialmente quando tento ser limpo,
Ou sincero aos olhos côncavos dos viciados na tradição hipócrita, em incenso, pão rançoso,
Absolvição e histórias da carochinha para embalar, fazer medo e impor respeito
De luto e lenços na cabeça, o cão à frente dela, o de quatro patas, o de calções atrás,
Sem perceber o cheiro do que acabou de se despegar dela há umas horas,
Não há nada a fazer, tende-se para o lixo, para a porcaria, princesas rasgam os vestidos
A caminho dos sonhos impossíveis, deixam-se penetrar pelas vontades sujas de poder,
Pelos desejos fáceis, por ilusão, fraqueza, também é só corpo e não se gasta,
Só para se sentir, nem que seja nojo, dor, algo diferente, a primeira vez todas as vezes,
Nem que seja um arco-íris com as cores da merda, algo novo, o tédio é o nosso pior
Inimigo, passa-se a vida à procura de primeiras vezes, chega-se perto do fim, ao limite,
Não há almas higiénicas depois dos dentes de leite, tudo se perde com o final da tarde
E a primeira absolvição dos pecados, que nem se confessaram, também a inocência se
Absolve como se fosse o tal pecado original, um banho de alma dado por um hipócrita maior
Resolve todos os problemas de consciência, todas as dúvidas de existência, para sempre,
Até à próxima, no fundo, espera-se que a carne se revele, tão suja quanto possível,
Há algo de erótico na culpa, uma parafilia reciclável, usa-se o sexo como cura para o vazio
Que também aumenta, procura-se calor no impessoal e higiénico, sonhando-se com
Esperma, suor, saliva numa boca familiar, espera-se que o Sol se ponha e o frio chame
Para a hora de jantar, a cura pelos copos e a companhia inócua de garrafas vazias,
Esquecimento como verdadeira salvação da alma, como forma de regresso aos olhos
Dos primeiros poemas, limpos de encontros mascarados e decadência gratuita.

Turku

09.05.2014


João Bosco da Silva

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